quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O PROFESSOR, O JORNALISTA E A ONDA DO POLITICAMENTE INCORRETO


  Antes de assistir a notícia, é preciso comentar duas conclusões importantes:

1º  O que um PROFESSOR não deve ser ou o que não ser quando crescer.
2º  Como deve ser um JORNALISTA ou como todos deveriam ser.

Agora assista a reportagem, para ver o professor e ao final o jornalista (são 5'22)



  Tem um monte de absurdos na fala deste “professor”: ele despeja preconceitos de vários tipos, o pior é ser determinista, ou seja, as pessoas que não tiveram oportunidades estão fadadas ao fracasso pelo meio em que viveram e não podem frequentar uma Universidade.  A Universidade tem uma função social, ao contrário do que o pensamento elitista desse senhor, é de agregar e transformar a sociedade e não excluir e garantir a desigualdade perpétua como ele sugere. Já  existem dados que contrariam a análise pífia desse senhor, que comprovam que o desempenho dos cotistas negros ou indígenas não é inferior aos demais.

   Eu tive alunos pobres, negros ou não de periferia, sem acesso ao bens de consumo e cultura, que se desenvolveram, se transformaram e se destacaram dentro da Universidade e hoje são excelentes profissionais Hoje tenho alunos pobres, do meio rural (da roça, como gostam de dizer) que tem um entendimento das aulas e um aproveitamento do curso muito maior que muitos alunos urbanos não cotistas. Ninguém dúvida que com acesso a cultura, educação, leituras e viagens a jornada fica mais fácil, mas afirmar que isso detemina a inteligência, a capacidade e a qualidade do profissional é discriminatóorio e perverso.

   O fato é que eu nunca divido meus alunos dessa forma esquemática - que este senhor fez na sua fala - elitista e sem fundamento. Usando um vocabulário requintado e demonstrando um conhecimento acadêmico ele quer nos convencer de sua sabedoria e lógica pessoal.(e é bom lembrar que consegue convencer muitos que estão fora da Universidade e tendem facilmente a cair nesses argumentos-armadilhas) 


Professor RACISTA do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), 
Manoel Luiz Malaguti.

   Essa visão determinista que no século XIX e inicio do século XX  (vide Nina Rodrigues e Cia.) gerou a teoria do embranquecimento é tão ultrapassada quanto a visão míope dele sobre a função social da Universidade. Isso nos prova que a nossa luta pela transformação é cotidiana e se dá em todos os espaços. Dizer que confiaria mais num branco por que este tem berço e o negro pobre está fadado ao fracasso é sim preconceituoso, professor. Tem crescido o número de pessoas que falam os maiores absurdos  contra mulheres, gays, negros e pobres e depois se defendem “mas eu não sou preconceituoso”. O preconceito, a discriminação, o sexismo devem ser  denunciados e atacado, não podemos ter pudor. Que os preconceituosos se reconheçam como tal.  Mesmo que não saibam que são.

  Quando as minorias não tinham voz, as piadas podiam ser feitas livremente, nos Trapalhões, nos programas de humor ou em qualquer buteco. Tudo era visto como ingênuo, inofensivo e permitido. Agora que podemos reclamar, que os movimentos sociais conquistaram voz a sociedade fica chateada por que acha muito chato o “POLITICAMENTE CORRETO”, melhor antes quando tudo era permitido e ninguém tinha voz para reclamar...bons tempos da Ditadura, não é?

   O interessante é que ao defender que o politicamente correto é muito chato, acabamos por assistir uma onde do politicamente incorreto, as redes sociais se tornaram meio para todos tipo de absurdidade como mandar “nordestino tomar no cú” ou chamar a Presidenta de “vaca, puta e vadia” ou ainda dizer que o Jean Wyllys é uma “bicha louca arrombada”. (exemplos tirados do Facebook, infelizmente!) A isso as pessoas chamam de direito de expressar sua opinião, mas sempre afirmando, claro, que não são precocituosos.

  NÃO. Não podemos tratar a mulher como objeto sexual, burra e consumista no ZORRA TOTAL e achar normal, permitir que meninos brancos e mimados como DANILO GENTILI faça piadas com os negros e achar engraçado e ingênuo. Não podemos permitir piada que inferioriza a capacidade dos negros. Não podemos continuar chamando os gays de bichas, viadinhos ou qualquer coisa assim por que isso dissemina preconceito sim. Você pode até fazer sem intenção, mas outros introjetam essas “piadas” e demitem os negros, pagam salários menores, saem nas ruas para bater e matar gays e assim por diante.

   O tal professor (me dói chama-lo assim), na entrevista afirma  que ele não quis dizer que eles (os negros) são inferiores, apenas que sua origem social (de classe) e diferença com os brancos não cotistas faz essa desigualdade de condições.Ora, isso não é o mesmo que dizer que eles são inferiores e os brancos superiores? Como afirmou o jornalista no seu fabuloso comentário: "o professor classifica os alunos como seres menores  que ele precisa se rebaixar para se fazer entendido (...)perdeu a noção do respeito (...) do alto da sua inteligência esnobe"

   Vale pensar na fala da minha amiga Dra. Luciana Borges, professora do Departamento de Letras da UFG, negra, mulher e militante:  “por essa lógica determinista eu não seria doutora e professora da universidade: fui uma criança negra , que se alimentava mal, estudava em escola pública, morava na periferia (hoje o bairro é central, mas quando meu pai comprou era uma ZBM de Catalão), não tinha livros em casa e nem pais escolarizados”

   Num outro vídeo divulgado pela TV, mais completo, o professor ainda diz:

“NO MEIO DE UMA DISCUSSÃO SOBRE O SISTEMA DE COTAS, EU COLOQUEI QUE SE EU TIVESSE QUE ESCOLHER ENTRE DOIS MÉDICOS,  UM BRANCO E UM NEGRO, COM O MESMO CURRÍCULO, EU ESCOLHERIA O BRANCO. PORQUE EU ESCOLHERIA O BRANCO? PORQUE OS NEGROS,  EM MÉDIA, VEM DE COMUNIDADES  MENOS PRIVILEGIADAS - PARA NÃO USAR UM TERMO MAIS FORTE - E NESSE SENTIDO ELES NÃO TEM UMA SOCIALIZAÇÃO PRIMÁRIA QUE OS TORNE RECEPTIVOS AOS TRÂMITES DA UNIVERSIDADE, A FORMA DE ATUAÇÃO DA UNIVERSIDADE, AOS OBJETIVOS DA UNIVERSIDADE. ELES TEM MUITO MAIS DIFICULDADES PARA ACOMPANHAR (...)
NÃO É UMA VISÃO PRECONCEITUOSA,  É BASTANTE REALISTA.  A BIOLOGIA E GENÉTICA,  ELAS NOS INFORMAM QUE AS CONEXÕES NEURAIS QUE AS JÁ ESTÃO ESTABELECIDAS E QUALQUER COISA QUE ACONTEÇA APÓS OS 7 ANOS,  É UMA INFLUÊNCIA DA RAZÃO, DO PENSAMENTO  TENTANDO MUDAR OS CONCEITOS E PRECONCEITOS ADQUIRIDOS NESTA ÉPOCA CHAVE QUE DETERMINA A PERSONALIDADE DA PESSOA. E É UMA DIFICULDADE MUITO GRANDE PRA VOCÊ SE LIVRAR DESSES CONCEITOS E PRECONCEITOS QUE UMA FAMÍLIA DESPRIVILEGIADA, SEM ACESSO A CULTURA, SEM ACESSO A LITERATURA, SEM ACESSO A OUTROS IDIOMAS,  MEIOS DE COMUNICAÇÃO MAIS SOFISTICADOS, OBVIAMENTE ESSAS FAMÍLIAS TERÃO MAIS DIFICULDADES EM ENFRENTAR UM CURSO UNIVERSITÁRIO. (...) HÁ UMA MAIOR DIFICULDADE AO COTISTA NEGRO. (...)
EM FUNÇÃO DA POSSIBILIDADE ESTÁSTICA DESSE MÉDICO BRANCO TER TIDO UMA FORMAÇÃO MAIS PRECIOSA, MAIS CULTIVADA ESCOLHERIA O BRANCO.  EU POR EXEMPLO, AO TER QUE ESCOLHER TANTO ADVOGADOS COMO MÉDICOS, ESCOLHERIA OS BRANCOS”

(Aqui está o link deste outro vídeo com essa fala completa)


Ironia do destino – para o professor, é claro – um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), negro se sentiu ofendido por suas declarações e abriu uma representação representação criminal no Ministério Público Federal (MPF). A fala dele é taxativa: "ele é nazista, não podia estar dentro de uma faculdade".
Concordo Desembargador!!!


 Acho que o professor vai ter que contratar um advogado, branco é claro, para se defender....

   Para finalizar, do ponto de vista da História, afinal sou uma professora (de fato) de História, reproduzo um trecho de um artigo meu publicado recentemente:



“Nesse sentido, defendemos o ensino de História numa perspectiva crítica, pluralista e combativa, que contribua para a revisão dos currículos e métodos de ensino, construção de novas práticas e políticas no sentido de combater a exclusão, a dominação e o desaparecimento da cultura indígena e tradições afro-brasileiras que constituam a formação de nossa população.

O desafio das atuais politicas públicas e da educação é garantir a continuidade e a ampliação das ações efetuadas até aqui e garantir a existência e os direitos da educação indígena. Para tal, o ensino de história crítico é fundamental para que auxilie os não indígenas a romperem com seus preconceitos e para que desenvolvam uma visão mais plural e diversa da nossa sociedade.”

MENDES,  Lilian Marta Grisolio. Interculturalidade e o Ensino de História Indígena: os avanços e entraves das políticas públicas na temática indígenas nas escolas, IN: Anais do 7 Encontro do CEDAP: culturas indígenas e identidades, Assis, SP, 23 a 25 de abril de 2014 [ recurso eletrônico] / Zélia Lopes da Silva (Org.). Assis: UNESP - Campus de Assis, 2014. 
Texto disponível em:

http://www2.assis.unesp.br/fcl/livro/anais_vii_encontro_cedap/#2 


Enfim, continuo na luta, por que apesar de tudo, nós existimos. Todos nós.

Obrigada. E boa reflexão.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

ELEIÇÃO, ÓDIO, MAINARDI: OU UM FESTIVAL DE ABSURDIDADES!

     Eu nem preciso dizer que este texto foi provocado pelo festival de absurdidades que li e assisti nos últimos dias no FACEBOOK. Fiquei sinceramente pensando que aquelas pessoas que vociferaram palavras de ordem contra nordestinos, petistas, e outros seres classificados como “inferiores” no seu dia a dia são profissionais absolutamente normais, que não usam aqueles termos e palavrões, e principalmente, não saem batendo no peito com uma plaquinha dizendo “SOU RACISTA E HOMOFÓBICO”. Ainda não entendo esse fenômeno que as redes sociais produzem....Mas refletindo sobre o que interessa:

     Do que vale falarmos sobre democracia, cidadania, valores como respeito e tolerância? As pessoas entraram facilmente na onda do "LUTO" por que outro partido ganhou. Agora é hora de luta e não de luto. Para quem não sabe é isso que os movimentos sociais fazem dia a após dia, lutam seja lá quem for governo para que suas reivindicações sejam atendidas. Não ficam de luto e de mal, como CRIANÇAS MIMADAS por que perdi a eleição!!!

                                                   Tirada da capa de uma amiga

      Ora, minha principal opção de voto no 1º turno não chegou a 1% dos votos. Evidente que os partidos que estão aí não me representam. E isso me dá o direito de ofender e atacar "o outro" violentamente? Por que quando leio os ataques ao Sakamoto e ao Jean Wyllys eu me pergunto como eles suportam tanto ódio e palavras tão ríspidas? (Eu ficaria mais 20 anos em terapia)

      Vociferar ÓDIO e dizer que todos vamos nos ferrrar, por que a massa é burra e que a minha opção que era a única correta? Que o partido que ganhou é o único corrupto e acreditar que o outro é honesto, livre de escândalos, desvios e outras falcatruas? Nossa democracia é historicamente jovem e altamente frágil, ainda não foi consolidada e o que se evidenciou nesta eleição são sérios desvios e riscos para isso ocorrer. E não tenham dúvida que a burguesia e parte dessa classe média altamente controlável, apoiaria uma intervenção militar com facilidade. Vale lembrar que não são todos os PAULISTAS que estão agredindo e falando impropérios....cuidado com as generalizações!!!

   Vi vídeos terríveis de pessoas absolutamente desprovidas de bom senso atacando negros, nordestinos e gays pela vitória do PT. Li que só inúteis, mal intencionados e burros votam no PT e fiquei pensando quem sou eu nessa categorização então. Poxa, estudei tanto...

    Por vezes me ausento do debate, e só o faço por que tenho interlocutores e como professora universitária cumpro essa função social com meus alunos. Esse dialogo é sempre fundamental e necessário para olhar por outros prismas e pontos de vista. Tenho alunos liberais, amigos empresários, familiares e afins, que com uma gama ampla de justificativas votaram no Aécio. Muito compreensível e posso analisar com facilidade isso, e mais importante entendo isso dentro da estrutura social capitalista e burguesa em que vivemos. Talvez nem eles mesmo compreendam o papel que cumprem.

     MAS O MAIS IMPORTANTE é ressaltar a responsabilidade de pessoas como o senhor DIOGO MAINARDI na disseminação do ÓDIO. A leitura dele é colonial, fazendo propositadamente uma oposição entre o novo e o arcaico, entre o moderno e o atrasado para justificar os votos daquela região no PT: “BRASIL DO PASSADO, O NORDESTE SEMPRE FOI RETRÓGRADO, SEMPRE FOI BOVINO, É UMA REGIÃO ATRASADA, POUCO EDUCADA, COM GRANDE DIFICULDADE DE SE MODERNIZAR, SE MODERNIZAR NA LINGUAGEM...”
Análise simplista e extremamente equivocada que faz muito sentido para as pessoas comuns, que mal falam de política no dia a dia, nunca se dão ao trabalho de ler o noticiário político, nem as decisões rotineiras e só se envolvem em momentos extremos como esses.

             Um exemplo leve. Qual a diferença? O teor é o mesmo, apenas a linguagem mais...rude.

Por isso, as pessoas comuns, que estão vomitando ÓDIO E LUTO, são instruídas sim. Elas têm acesso a grande imprensa, assistem o noticiário televisivo noturno, ouvem os apresentadores e formadores de opinião na televisão, leem as revistas semanais. O senhor Diogo Mainardi, é um exemplo claro disso, ele não fala com o mesmo público que assiste o Faustão, o Datena e a Xuxa, mas faz uma leitura que atinge um outro determinado público e de forma mais elegante, com uma RETÓRICA AFETADA faz os mesmos ataques ao Nordeste e aos nordestinos Dissemina o mesmo ÓDIO que vemos nas redes sociais aos nordestinos. Então, o ódio tem origem, tem incentivo e tem classe social.

EU ENTENDO O ANTIPETISMO, EU ENTENDO A DIVERSIDADE DO POSICIONAMENTO POLÍTICO DE ACORDO COM SUA CLASSE E INTERESSE, EU ENTENDO O PROBLEMA DA ALIENAÇÃO E DESPOLITIZAÇÃO NUM PAÍS QUE VIVEU SOB UMA TERRÍVEL DITADURA CIVIL MILITAR, EU ENTENDO A FALTA DE ENGAJAMENTO POLÍTICO DO CIDADÃO COMUM E A DESCRENÇA NESSE MODELO QUE AÍ ESTÁ.
NÃO ENTENDO – e não aceito - A DISSEMINAÇÃO DO ÓDIO DISCRIMINATÓRIO, RACISTA E XENOFÓBICO. Seja da Ku Kux Klan, de fascistas, de religiosos ou da classe média conservadora.

Não estou de luto, estou em luta. Eu continuo existindo.

E você?


OBS: Eu queria pegar alguns familiares e amigos e dar um curso sobre o bolsa família para que ao menos isso fosse entendido. Acho que é aí onde residem as maiores absurdidades. Eles realmente acreditam que estamos sustentando vagabundos, que existe emprego para todos dentro do sistema e só não trabalha que não quer. Gostaria muito de levá-los para conhecer alguns lugares do interior do Brasil – tipo o distrito de Bichinho em MG – e perguntar que solução eles dariam para esses locais. Não em longo prazo e ideias mirabolantes, mas questão prática, para hoje a noite, quando as crianças perguntarem o que tem pra comer? Nós, urbanoides dos grandes centros, somos muito arrogantes, ignorantes e como disse o senhor Mainardi somos de fato “pouco educados” (por favor, ironia), falamos sobre o que nunca vimos, não conhecemos e sequer entendemos.


Distrito de BICHINHO, próximo a Tiradentes - MG, explorada pelos comercintes de arte de BH, que compram por preços irrisórios dos artistas locais e vendem por pequenas fortunas nas galerias ca capital. A população vive disso e de agricultura familiar. SE interessar conhecer, não fique no centrinho turistico, vá até a periferia e quem sabe aí...

terça-feira, 7 de outubro de 2014

ELEIÇÃO, CLASSE MÉDIA, ANTIPETISMO E A VITÓRIA DA DILMA

Subtítulo: DA EXPLICAÇÃO -  Não, não sou petista.

Vou tentar ser relativamente rápida (e não vou conseguir, claro!), como a internet solicita, e ao mesmo assim efetivar uma pequena análise sobre a terrível ELEIÇÃO que ocorreu no último domingo. Na verdade, a intenção é só levantar alguns pontos para a reflexão. Precisamos pensar no que aconteceu e não apenas chorar. Minha motivação é sempre a solicitação de meus alunos que querem continuar o diálogo e também a reação das pessoas. A reação mais comum foi o ESPANTO, A INDIGNAÇÃO, A INCOMPREENSÃO de como coronéis, advogados liberais, delegados, evangélicos de todos os tipos e espécie, políticos tradicionais ganham com essa contagem de votos. 

Afinal, no caso de SP a DESTRUIÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL, OS ANALFABETOS FUNCIONAIS, A FALTA DE PROJETO EDUCACIONAL E A SITUAÇÃO DO PROFESSORADO JÁ SERIA MOTIVO SUFICIENTE PARA NINGUÉM REELEGER O PSDB PARA O 6º MANDATOS. No entanto, pimba, 57% dos votos e reeleição do picolé de chuchu já no 1º turno.

MINHA LEITURA é a mesma que de todos os meus pares, não difere: DESGOSTO E  LAMENTOS. Mas precisamos nos lembrar de algumas coisas. As eleições dentro da DEMOCRACIA deveriam assegurar a garantia das liberdades políticas a todas as classes sociais para se organizar partidariamente ou em movimentos e indicar representantes ao Parlamento. Mas o que se esquece (ou nem se sabe) é que desde as revoluções burguesas (Inglesa e Francesa) o ESTADO É BURGUES, portanto vivemos sob a égide da DEMOCRACIA BURGUESA, e apesar de discursivamente se apresentar com uma comunidade voltada para a realização de todos os indivíduos, na verdade tem o papel de CONSERVAR O MODELO POLÍTICO E ECONÔMICO TAL COMO ESTÁ.

É a manutenção do STATUS QUO. Achar que com o voto, simples e fácil, conseguiremos mudar as estruturas é muita ingenuidade.

O retrocesso, o atraso político, o conservadorismo dos votos, O VOTO DA CLASSE MÉDIA CONSERVADORA EM POLÍTICOS BURGUESES TRADICIONAIS E O VOTO POPULAR EM PASTORES OU FIGURAS MIDIÁTICAS SÃO A MESMA COISA (apesar da classe média falar que é o “povo burro” que não sabe votar) são sintomas.

 E aí temos que lembrar vários pontos que integram a análise, ou seja, NÃO EXISTE UMA ÚNICA EXPLICAÇÃO PARA O QUE OCORREU, vejamos:

1.     1.  Percebemos (ou nos lembramos) que ainda não tivemos um processo de desalienação  real. Nem vou entrar no mérito mas nunca tivemos um processo de politização no Brasil.
2.      O discurso violento, de controle e austeridade ainda se sobrepõe nos momentos de crise, nos momentos da desesperança. Ver as eleições na Europa onde a ascensão da direita extrema e nacionalista foi considerável, e não é primeira vez, é bom lembrar da década de 30... O recrudescimento do conservadorismo é um fenômeno histórico conhecido.

3.   2.   Temos um grave problema no Brasil; a MÍDIA.  Além de nossos anos mergulhados na Ditadura Militar, e consequentemente, uma grande número de pessoas formadas aos moldes dos cursos de OSPB e Educação Moral e Cívica, prontos para uma sociedade capitalista cindida em classes cada qual com sua função social clara, temos a grande mídia que interfere, distorce, reforça, amplifica, omite tudo em nome da conservação do status quo. Nesse ponto, muitos e muitos são LEVADOS/INDUZIDOS ao erro.  Por exemplo, apresentar o Skaf como representante dos trabalhadores: excelente sacada!

4.  3.    Outra coisa, efetivamente é preciso construir uma oposição e um nome de peso para combater o CONTINUÍSMO em SP. Foram muitos que disseram não estar contentes com o PSDB mas que não viam alternativa de força?!?! Como atingir esse cidadão?

5.     4.  Cada classe aí tem cumprido de certa forma seu papel, a classe média brasileira continua horrorizada com o PT E SUAS POLÍTICAS SOCIAIS. Conhecem muito pouco da realidade do interior do país, desconhecem a pobreza e miserabilidade de perto. Violência para eles é o medo de ter seu celular, seu carro e casa roubados por marginais urbanos. É normal que critiquem o que não conhecem, o que não compreendem e a realidade da qual eles não fazem parte. A BOLSA FAMÍLIA para eles é um crime e não uma salvação para uma população excluída do capitalismo, estes realmente acreditam que a oportunidades sobrando para todos, que é só trabalhar e etc...

6.    5.  E a TRADIÇÃO ANTIPETISTA que ganhou mais força a medida que eles ficam mais tempo no poder é também um fator importante para ser analisado. Eu não sou petista, mas no momento que faço a crítica ao PSDB já sou automaticamente rotulada de petista, apesar do meu rompimento com o PT . Mas que triste derrota a troca de um personagem como o Suplicy pelo Serra!!!

Ontem uma aluna me elogiou pq eu disse há algum tempo que a Marina não chegaria ao 2º turno (e ela estava convicta que sim). Eu disse que na reta final a classe média não votaria na Marina e decidiria pelo tradicional embate PT x PSDB. Era óbvio. A MARINA EVANGÉLICA, CARA DE NORDESTINA, VINDA DO PT tem o estereótipo da empregada doméstica da senhora da classe média.  E por mais que sua atuação política hoje esteja bem longe de suas origens,  não agrada em nada nossa classe média elitista. Que bom...rsrsrsrs. Fato é que o Aécio é um concorrente muito fácil para a Dilma...muito.

ENFIM, ainda há muitos outros fatores que precisam ser analisados para se MONTAR UM QUADRO SOBRE NOSSA ATUAL CONJUNTURA POLÍTICA, mas por hora,  vale lembrar duas coisas que são para mim muito importantes: a eleição de gente como Jean Willis e o engajamento de uma juventude (branca, de classe média, urbana, universitários...) que teriam tudo para o conservadorismo puro e que nesta eleição escolheram a esquerda.  

COMO EU SEMPRE DIGO, NÓS AINDA EXISTIMOS, SOMOS A PEDRA NO SAPATO DELES, SOMOS A MOSCA NA SOPA...


Não é fácil ser “gauche na vida”....

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Combate nas Trevas, de Jacob Gorender, há anos esgotado, é reeditado



ESCRITO POR MÁRIO MAESTRI   
QUARTA, 11 DE JUNHO DE 2014

Para o gáudio dos comerciantes de livros usados, Combate nas trevas: A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada, de Jacob Gorender, encontrava-se há longos anos esgotado. No ensejo do cinquentenário de 31 de março de 1964, mais do que oportuna reedição dessa obra, pelas editoras Expressão Popular e Fundação Perseu Abramo, acaba de recolocar, a preço acessível, o até agora talvez mais célebre trabalho historiográfico sobre o golpe militar e, sobretudo, sobre a resistência armada a ele. Apresentamos aos leitores informativa entrevista concedida pelo autor, em Milão, Itália, em 9 de outubro de 1987, quando do lançamento do livro, ao historiador Mário Maestri, então correspondente naquele país do Diário do Sul, publicação sulina do grupo Gazeta Mercantil.

***
 O lançamento do último livro de Jacob Gorender – Combate nas trevas: A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada – recebeu uma cobertura de imprensa pouco comum no Brasil. A Folha de São Paulo e O Globo publicaram duas longas entrevista com Gorender e a revista Veja acaba de fazer uma reportagem de seis páginas sobre o ensaio. O próprio tratamento dedicado ao livro e ao autor pela Ática escapa ao comum. A editora desdobrou-se para lançar o livro, simultaneamente em todos os estados do Brasil, e adiantou a Jacob Gorender os direitos integrais da primeira edição, quando da assinatura do contrato.

A trajetória política de Gorender, seu status como pensador marxista e o caráter polêmico do livro explicam a movimentação em torno do lançamento. Após dedicar três anos de intenso trabalho ao estudo, Jacob Gorender viajou para a Europa para descansar e rever regiões do Velho Mundo que conhecera como pracinha da FEB, durante a II Guerra Mundial. Jacob Gorender recebeu as primeiras notícias sobre o lançamento de Combate nas trevas na residência do correspondente em Milão, Mário Maestri, onde concedeu uma longa entrevista ao Diário do Sul.

Mário Maestri: Gorender, por que tanta expectativa em torno do lançamento de Combate nas trevas?

Jacob Gorender: O livro foi lançado na segunda-feira e terá possivelmente alguma repercussão. Ele refere-se a um crucial período da história brasileira que não pode ser apagado da memória de nosso povo. O grande protagonista do ensaio é a esquerda. Não se trata de um trabalho memorialístico. Apenas uns 15% referem-se a depoimentos pessoais do autor. E, nessas passagens, me documentei e não me apoiei apenas em minha memória. Não é também um livro sobre a repressão. O Estado repressivo entra como o adversário da esquerda e do movimento popular. Trata-se de um trabalho que resultou de uma pesquisa historiográfica. Neste sentido, é o primeiro livro do gênero publicado no Brasil.

Mário Maestri: Há quanto tempo preparas o trabalho?

Jacob Gorender: Senti a necessidade de intervir neste debate quando começaram a aparecer os primeiros depoimentos de exilados. A partir da anistia, de 1979, comecei a reunir material para escrevê-lo. Foi muito difícil encontrar a documentação. Não há arquivos sobre as organizações clandestinas de esquerda. Boa parte do material foi perdida ou é inacessível. Felizmente, muitos companheiros me forneceram uma abundante documentação, quando souberam que me dedicava a este trabalho. Foi-me de grande valia o acesso permitido pelo bispo dom Evaristo Arns às cópias dos 750 processos do Superior Tribunal Militar, reunidas para a edição do livro Brasil nunca mais. Iniciei a redação há três anos, em 1984.

Mário Maestri: Quais são os grandes temas do livro?

Jacob Gorender: Um terço do livro traz uma condensação historiográfica do processo que resultou no golpe de 1964. Trata-se, de certa forma, de um desenvolvimento das teses que apresentei em meu ensaio A Burguesia Brasileira (São Paulo: Brasiliense, 1981). Neste particular, minha principal tese é que o populismo foi um processo que serviu à burguesia nacional durante um longo período e, depois, foi abandonado pela própria burguesia, quando não servia mais. O golpe de 1964 procurava eliminar da política estatal os resquícios populistas. O mesmo objetivo fora tentado, inutilmente, por via institucional, no período Jânio-Jango. Lançou-se então mão do golpismo.

Mário Maestri: Como definirias o populismo?

Jacob Gorender: O populismo foi uma forma de política burguesa para construir a nação burguesa com o consenso dos operários. Ele tinha, porém, um grande pressuposto: os trabalhadores não podiam ultrapassar certo limite. O populismo não podia dar forças à classe operária. Getúlio e Juscelino praticaram, com o apoio das classes dominantes, a política de industrialização, até que ela entrou em choque com os interesses do imperialismo. Tanto um como o outro tiveram sempre o aval do PTB e do Partidão (PCB). Quando o populismo começa a esgotar-se, a burguesia procura outras alternativas. O golpe farsesco tentado por Jânio foi uma antecipação do golpe de 64. O período de Jango é marcado por esta constante tentativa da burguesia de pôr fim à política populista. Jango tenta responder, organizando o seu golpe.

Mário Maestri: Defendes que Jango organizava um golpe?

Jacob Gorender: Um golpe constitucional. No final do seu governo, Jango preparava um golpe. Apesar de isto nunca ter sido discutido com clareza no PCB, o continuísmo foi apoiado por Giocondo Dias e por Luís Carlos Prestes. Prestes chegou a apoiar publicamente o continuísmo de Jango.  Esta política foi negativa para a esquerda. Nas altas esferas, políticos como Brizola e Arraes sentiram-se lesados nas suas expectativas presidenciais. E, neste momento, um empecilho constitucional dificultava a candidatura de Brizola. Era o tempo de “Cunhado não é parente...”

Mário Maestri: Qual foi o papel do Partidão nesta conjuntura?

Jacob Gorender: Os comunistas possuíam um forte movimento sindical, estudantil e camponês, apesar de, desde os anos 50, não possuírem mais monopólio da esquerda. Tínhamos, então, as Ligas Camponesas, a Polop (Política Operária), o brizolismo, os trotskistas, o movimento dos sargentos e marinheiros etc. Havia surgido uma esquerda católica, a Ação Popular (AP). Tinha ocorrido a grande cisão que resultou no PC do B. Mas o PCB era grande força da esquerda. Estes foram anos de ouro do Partidão. Hoje ele tem um significado residual em relação àquela época. É uma sobra.

Mário Maestri: Quais foram as consequências das políticas do PCB?

Jacob Gorender: Defendo que a derrota de 64 deve-se ao fato de o Partidão ter entregado a chefia do movimento a Jango. E Jango não quis lutar. Pior, ordenou que não se lutasse. Em 1964, havia possibilidade de vitória (popular). É certo que havia risco. Poder-se-ia vencer ou perder. Creio que as possibilidades da esquerda e da direita eram as mesmas. A direita e os militares não estavam tão preparados. Castelo apavorou-se quando o (general Olimpo) Mourão (Filho) precipitou o golpe. A força naval norte-americana (a operação Brother San) só chegaria no dia 11, trazendo armas, munição e combustível. Havia um tempo para preparar a resposta militar. Não é verdade que a CGT e os sindicatos não tivessem força. Não aceito a tese de R.A. Dreifuss (1964: a conquista do Estado. Rio de Janeiro: Vozes, 1981) que, usando categorias gramscianas, afirma que, com o golpe, a burguesia teria conquistado um novo consenso. Ela abandonou o consenso populista pela repressão direta. Acredito que 64 foi o auge da nossa luta de classe do século XX. Desde então, não há mais lugar ao populismo.

Mário Maestri: E o Brizola?

Jacob Gorender: Brizola pode chegar ao poder, mas vai ser tão repressivo como qualquer general.


Mário Maestri: A análise de 64 não é o principal objetivo do livro?

Jacob Gorender: Mais de 70% é sobre o pós-64. A vitória do golpe resultou na desagregação do PCB e um importante debate, até 1967. O debate levou a cisões internas e à fundação, com a participação de membros do comitê central, da ALN (de Carlos Marighella e Câmara Ferreira) e do PCBR (de Mário Alves, Apolônio de Carvalho e eu). Surgiu um quadro da esquerda completamente diferente. Prestes e Giocondo [Dias] chefiaram a defesa da linha pacifista e se opuseram a mudanças políticas.

Mário Maestri: Não é muito simpático ao “Cavaleiro da Esperança”.

Jacob Gorender: Só se for a esperança da burguesia! Era um dever meu restabelecer a verdade histórica. Meu livro é a favor da esquerda. Os mitos fazem mal. Prestes tornou-se um herói mitológico. Ele é um homem corajoso, de ideias, desprendido dos bens materiais. Como foram e são inúmeros outros revolucionários. Na realidade, é um homem de pouca cultura, um pensador medíocre. Em todos estes anos, não legou um só trabalho de interpretação marxista da realidade brasileira. Apenas relatórios, informes etc. Nem sempre escritos por ele. Foi sempre um desastre como político. Não teve a capacidade de receber novas ideias ou compreender as conjunturas. Faltou-lhe sempre o contato real com a população brasileira. Como um político foi um desastre.

Mário Maestri: Voltemos à esquerda.

Jacob Gorender: Procuro descrever o importante debate e as influências das experiências externas (Cuba, Argélia, Vietnã etc.) que precederam o lançamento da luta armada a partir de 1968. Falo das tentativas guerrilheiras dos brizolistas, das origens e das ações das três primeiras organizações armadas marxistas (ALN, Colina, VPR). Nesta época, as outras organizações não se dedicavam à luta armada. Em 68, ocorrem os últimos grandes movimentos de massa, sindicais, estudantis e populares. A direita militar preparava-se para golpear os últimos resquícios de direitos democráticos. As ações armadas foram as justificativas. O Ato Institucional nº 5 viria de qualquer maneira. A desculpa foi o caso Moreira Alves. Um discurso quase insignificante... Com o retrocesso do movimento de massa e o regime repressivo, as organizações que não se dedicavam à luta armada (PCBR, AP etc.) viram bloqueadas suas ações. Ocorre então o que chamo uma imersão geral das organizações na luta armada.

Mário Maestri: Esta participação na luta armada foi geral?

Jacob Gorender: O PCB, que era pacifista, logicamente ficou à margem. O PC do B manteve-se, até lançar a guerrilha do Araguaia. O único grupo não-pacifista imune à guerrilha foi o POR (trotskista). Refiro-me a momentos importantes desta conjuntura: os sequestros, o cerco do vale do Ribeira etc. No relativo à morte de Marighella, procurei estabelecer a verdade histórica. Não podia permitir que a interpretação do frei Betto, sobre a CIA e os dominicanos, em seu livro Batismo de Sangue, continuasse sem respostas. Refiro-me a alguns casos não conhecidos pelo público, como o relacionamento mantido por Marighella e (Hermínio) Sacchetta. Este último fora expulso do PCB, há muito, como trotskista, e terminaria sendo duramente atacado por Jorge Amado, em (o romance) Subterrâneos da liberdade.

Mário Maestri: Enfim, o que ensinaria teu livro?

Jacob Gorender: Eu não ensino nada. A esquerda marxista brasileira fez recurso à luta armada em dois momentos da história: em 1935 e 1968. O que não é muito comum na América Latina. Na última experiência, praticou o foquismo e o terrorismo. O milagre econômico e o isolamento do movimento de massas tornavam impossível uma vitória. Uma experiência que deve ser estudada sem preconceitos. Apresento esta ação política como o recurso ao que chamo de violência incondicionada. Ou seja, quando não estão dadas as condições históricas.

(Digitado por Anne E. Durgante – Especial para o Correio da Cidadania)

quinta-feira, 15 de maio de 2014

O Homem que Encurtou a Ditadura Brasileira - ESCRITO POR MÁRIO MAESTRI





QUI, 15 DE MAIO DE 2014



Entre a ampla bibliografia lançada para os cinquenta anos do golpe militar, o breve ensaio Ditadura e democracia no Brasil [Rio de Janeiro: Zahar, 2014], do historiador Daniel Aarão Reis, destaca-se pela defesa de tese e de proposta surpreendentes, para não dizer mais. Vejamos a tese: literalmente sem enrubescer, o autor encurta a ditadura em seis anos. Para ele, ao contrário do tradicionalmente proposto, a ordem militar durou apenas 15 anos, e não 21. Ela teria chegado ao fim durante o governo Ernesto Geisel.

A revelação de Daniel Aarão Reis não é menos paradoxal. Ele retoma com enorme ênfase a proposta já um tanto velha de que a ditadura não foi regime meramente militar! Com outros historiadores, em suas pesquisas, teria descoberto que a ordem militar foi apoiada também por civis, conhecendo, sempre, apoio entre a população não-fardada! Portanto, mais correto seria denominá-la de ditadura cívico-militar, como se tem proposto. Entre outras comprovações dessa importante descoberta estariam a “Marcha por Deus, pela Pátria e pela Família” e os índices eleitorais da ARENA durante aqueles anos!

Para Daniel Aarão Reis, a ditadura interrompeu-se durante o governo Ernesto Geisel, quando o ditador devolveu à sociedade alguns preceitos constitucionais. Os anos finais de seu governo e toda a presidência do “homem que amava os cavalos” seriam período pós-ditatorial, de “transição democrática”. Essa última teria se iniciado “com a revogação das leis de exceção [...] em 1979” e terminado “com a aprovação” da Constituição de 1988. [p.125]

A Ditadura Encurtada

Envolvido em seu formalismo institucional, o autor vacila na própria qualificação de parte do governo Castelo Branco como ditadura nua e crua. “Em seus últimos meses de governo, Castelo Branco efetuou ações estratégicas no sentido de institucionalizar a ditadura, dotando-a de um direito autoritário que pudesse, porém, prescindir do recurso continuado a atos de exceção”. A materialização desse projeto “significava, objetivamente, a superação do estado de exceção, ou seja, da ditadura”. [p.64]

Procederiam, portanto, as propostas dos apologistas de Castelo Branco como um general de foro constitucionalista, ainda que conservador. O certo é que, em 24 de janeiro de 1967, no final do governo castelista, era promulgada Constituição que, segundo Daniel Aarão Reis, punha fim à ordem ditatorial substituindo-a por “estado de direito autoritário”. [66] Portanto, parte daquele governo e da administração de Costa e Silva, até o AI 5, seriam governos constitucionais, regidos por preceitos constitucionais, ainda que imperfeitos.

Ditadura, mesmo, dura e crua, seria a conhecida de 13 de dezembro de 1968, com o AI 5, até a magnanimidade de Ernesto Geisel.  Segundo o autor, a restauração da “ditadura aberta” teria sido feita a partir de movimento defensivo do alto mando militar, inquieto, devido a uma conjuntura social e política que “podia eventualmente se condensar e oferecer perigo real de desestabilização da ordem [...]”. Como veremos, ele propõe que o próprio golpe foi iniciativa defensiva do alto comando militar diante de perigo real. [p.71]

Portanto, não deveremos estranhar caso Daniel Aarão Reis revele, proximamente, que o país conheceu apenas dez anos de ditadura militar [desculpem-me, cívico-militar], ao contrário dos 15 que atualmente propõe. Maldade, mesmo, apenas desde o AI 5, em fins de 1968, até a efetivação do “pacote de medidas liberalizantes” [sic] de setembro de 1978, de Ernesto Geisel. Para o autor, em inícios de 1979, com a obsolescência dos atos institucionais, “revogava-se o estado de exceção, ou seja, a ditadura”. [pp.116, 123].  E pensar que desconhecíamos, naquele então, que não vivíamos mais sob ordem ditatorial!

Formalismo Institucional

Em processo explícito de substituição da essência dos fenômenos por sua aparência, Daniel Aarão vê a democracia que decresce ou que cresce onde recua ou avança o respeito formal a normas institucionais. Como nos casos de Castelo Branco/Costa e Silva e Ernesto Geisel/João Figueiredo. Vê o fim da ditadura e início da transição democrática na restauração formal de normas legais, respeitadas ou desrespeitadas ao bel prazer pelo alto comando militar.

Devido ao seu formalismo, como não houve modificação constitucional essencial nos anos Geisel-Figueiredo-Sarney, o autor define todo o período como de “transição democrática”. A ruptura de qualidade não teria se dado na entrega do poder pelo último ditador [ditador, não! Presidente ou quase], mas apenas quando da Constituição de 1988.  Geisel e Figueiredo seriam, portanto, quase presidentes e Sarney, o primeiro presidente após 1985, um meio-ditador!

Não é difícil compreender por que há consenso historiográfico em torno do fim da ditadura em 1985, quando da assunção de José Sarney, vice-presidente na chapa oposicionista de amplo consenso. E não apenas quando da plena vigência da Constituição de 1988, que formatou constitucionalmente a nova forma do exercício dos poderes republicanos que emergiram da ordem militar.

Do Poder Militar ao Civil

Em 15 de março de 1985, mesmo nos marcos da Constituição ditatorial apenas retocada, com a diplomação de José Sarney, as rédeas do hipertrofiado poder presidencial passaram totalmente para as mãos de um civil, representante do amplo bloco político-social oposicionista, sob a hegemonia dos segmentos democrático-burgueses e conservadores.

De 1964 a 1985, o poder de mando sobre a sociedade fora exercido em forma monopólica pelo alto mando militar, através dos poderes executivo, judiciário, legislativo e da coerção direta. Fossem quais fossem as concessões institucionais formais, elas eram ou podiam ser violadas explícita e implicitamente, segundo a vontade do poder ditatorial. Realidade que se manteve até o último dia do governo de João Figueiredo.

A partir da presidência de José Sarney, o feixe de poderes escapou totalmente das mãos da alta oficialidade. Agora, para ela intervir na sociedade, necessitava apoderar-se do poder através de novo golpe e de nova deposição do poder civil. Em verdade, desde então, o alto comando perdeu espaço de gerência da própria instituição militar. Por exemplo, já não mais determinava o orçamento das forças armadas.

Ditadura Militar Burguesa

O caráter essencialmente burguês do golpe militar de 1964 é questão patente para a historiografia não formalista. É ideia há muito consolidada que, em 1964, a ruptura da gestão civil e a administração do Estado e da sociedade pelo alto mando militar foi projeto proposto, avançado e sustentado pelo bloco proprietário dominante no país, já sob a direção da burguesia industrial, sobretudo paulista.

Um projeto de ruptura institucional já ensaiado quando do suicídio de Getúlio, em 1954; da impugnação da posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, em 1955 e 1956; e do veto a João Goulart, em 1961. Todos aqueles ensaios anticonstitucionais, apoiados no alto mando das forças armadas, eram expressão de poderosas facções proprietárias que não haviam, porém, alcançado ainda o consenso em favor do golpe, obtido em 1964.

Em todos aqueles movimentos, as classes proprietárias arrastaram atrás de si seus partidos, seus movimentos, suas organizações de classes, os múltiplos e amplos segmentos sociais de pequenos proprietários ou assalariados sob sua hegemonia plena ou parcial. Jamais houve no Brasil ou no exterior golpe militar digno do nome que não expressasse poderosos segmentos civis.

Por além das aparências, ditaduras militares ou militarizadas como o fascismo, na Itália, o salazarismo, em Portugal, o nazismo, na Alemanha, o franquismo, na Espanha, chegaram ao poder em representação do bloco social burguês e proprietário dominante, que expressaram enquanto dirigiram o Estado. Mesmo contando com uma maior ou menor autonomia relativa, sobretudo em médio e curto prazo.

Quem mandava em Hitler e Mussolini?

Nessas ordens ditatoriais, o poder de fato foi mantido, sempre, pelas classes proprietárias hegemônicas. Em forma geral, as forças burguesas entregaram o poder a aparatos militarizados por não poderem exercer democraticamente sua ditadura, como na Itália e Alemanha, ou por preferirem as formas autoritárias para impor suas necessidades profundas, como no caso do Brasil.

Com a ordem ditatorial, o alto comando militar transforma-se em espécie de parlamento uniformizado, que se substituiu ao constitucional, no seio do qual as forças proprietárias concorrentes digladiavam-se para implementar seus interesses. No Brasil, o rodízio dos generais-ditadores ensejou uma mais fácil expressão das necessidades e vontade das classes proprietárias hegemônicas.

Afinado sobretudo com os interesses bancários e financeiros nacionais e internacionais, o projeto liberal-castelista foi rapidamente deslocado e corrigido, sob a pressão da burguesia industrial, sobretudo paulista. Ela impôs como seu delegado direto o jovem economista Delfim Netto, em 17 de março de 1967, defenestrando o neoliberal Octavio Gouvêa de Bulhões. A retomada da oposição popular nas ruas contribuiu certamente para a modificação de orientação.

Por detrás dos projetos militares divergentes expressavam-se sempre as facções proprietárias que se uniam no escorcho dos trabalhadores e populares e se digladiavam sobre os rumos da intervenção de Estado central em incessante hipertrofia. A definição da ditadura como cívico-militar, sem qualificar essa componente civil, retira e mascara a verdadeira essência de classe da ditadura. Ou seja, seu caráter burguês.

Um Salto para o Passado

O conservadorismo que se abateu sobre o mundo após a vitória histórica da maré neoliberal dos anos 1990 ensejou recuo dramático nas ciências sociais e na compreensão do passado. Em retorno ao fenomenismo da história política factualista, procedeu-se a um literal abandono da leitura da história a partir de solução dos confrontos dos interesses sociais profundos, determinados pelos indivíduos, organizações etc., que expressam e os expressam.
Ditadura e democracia no Brasil, de Daniel Aarão Reis, constrói-se como encadeamento crescentemente ininteligível de epifenômenos apresentados como fatos sociais e políticos essenciais. Nesse processo, a ordem ditatorial é literalmente obscurecida como expressão da refundação pelos segmentos burgueses dominantes de novo padrão de acumulação de capitais, em detrimento dos segmentos trabalhadores e populares, que se mantém substancialmente até os dias de hoje.

Retomando a retórica ditatorial e conservadora, o autor vê o golpe como, inegavelmente, movimento “defensivo”, para “salvar a democracia, a família, o direito, a lei e a Constituição”, para “garantir a hierarquia e a disciplina” nas forças armadas. [p.48] Proposta que não explica minimamente por que ele já fora tentado, em circunstâncias históricas diversas,  em 1954, 1955-6 e 1961, como proposto.

Nessa reconstrução histórica socialmente pasteurizada, o projeto “nacional-estatista” e “corporativista estatal” (sic) varguista e janguista ressurge como política da ditadura, da Constituinte de 1988 e do primeiro governo civil. Recorrência que torna praticamente incompreensível o sentido da instauração e da superação da ordem militar. Ordem ditatorial, como apenas visto, ensejada por razões totalmente conjunturais que, no livro de Reis, assume dimensão histórica estrutural!

Quem Perdeu, Quem Ganhou?

A análise quase desconhece a substituição, pela ordem militar, do mercado interno pelo externo como locus privilegiado da realização da produção nacional. Inversão que permitiu a incessante expansão tendencial da exploração absoluta e relativa da força de trabalho, desde então marginalizada como segmento consumidor de produção dirigida agora preferencialmente ao mercado externo. Desde a ditadura, degringolaria a participação relativa do trabalhador na renda nacional.

O autor desconhece a ditadura militar como lídima expressão da ação das classes dominantes nos anos 1964-1985 e, a seguir, a participação de facções das mesmas na sua desconstrução, conscientes, por um lado, da obsolescência daquela ordem para a gestão da crise social e econômica em curso e, por outro, interessadas em radicalizar a internacionalização da economia e a privatização dos bens estatais.

O autor propõe corretamente que, em 1º de abril de 1964, não estava dada a derrota da esquerda “reformista”. Ela teria sido devida, essencialmente, à sua “irresolução”. Entretanto, não se esclarecem as origens políticas, sociais e ideológicas da dita “irresolução”, que jamais se deveu à rendição de João Goulart, igualmente impossível de ser explicada apenas a partir de suas idiossincrasias pessoais.

A apresentação desconjuntada da situação mundial sequer sugere os reflexos no Brasil do embate internacional entre o mundo do capital e do trabalho nos anos 1960-1980. O que facilita apresentação caricatural da esquerda revolucionária após 1964, corolário do encobrimento do caráter de classe da dominação ditatorial. No final, são jovens que partem inconsequentes, sem apoio na população e na realidade, para enfrentarem, armados de algumas pistolas, revolução que ele vê como apenas parte de suas ilusões e fantasmagorias.

Jamais Ousar, Jamais Vencer

Nesse verdadeiro limbo social, a proposta de Daniel Aarão Reis é clara. Impulsionada apenas por seus desejos subjetivos, a esquerda revolucionária encontrava-se derrotada antes mesmo de partir para a luta.  Portanto, não deveria, em nenhum momento e sob qualquer forma e meio, ter obedecido à consigna de “ousar lutar, ousar vencer”. Para o autor, a própria revolução é um sonho desvairado.

É permanente a deslegitimação da luta revolucionária anti-ditatorial: enfatizam-se os guerrilheiros “delatados pelos camponeses que os revolucionários pretendiam salvar da miséria e da opressão”. Delação ocorrida, lembra-se igualmente, por parte de “populares”, de “revolucionários e seus esconderijos”. [77] O epitáfio da esquerda revolucionária não podia ser mais revelador: “Longe de constituírem forças radicalmente inovadoras [...] não passaram de uma última espuma das ondas levantadas pelos movimentos anteriores a 1964”.

Portanto, a derrota popular e dos trabalhadores diante do capital, após o golpe, estava, definitivamente, marcada nos astros. Talvez porque não tenha havido, realmente, derrota social, quando da ditadura. Sugestão que aflora permanentemente no trabalho, sem jamais se materializar de modo tangível. Entretanto, não são poucos os elogios à interação entre a “ditadura e a sociedade” que produziu “um país próspero e dinâmico”. [p.78]

São recorrentes as referências às obras positivas da ditadura – o Estatuto da Terra, o  BNH, o FGTS, o INPS, o PIS, o Pasep, o Funrural, o fortalecimento do CNPq, da Capes, da Finep etc. E, nessa estrada, já em franca derrapagem, Daniel Aarão Reis define a primeira metade dos anos 1970, que até ele aceita como período da plena vigência da ditadura, mais como verdadeiros anos de “ouro” do que como os propostos “anos de chumbo”! [p. 91]

A orelha da contracapa de Ditadura e democracia no Brasil afixa a foto do autor, que se abre em um enorme sorriso, seguida de breve biografia que declara ser ele especialista em história das “revoluções socialistas” e da “esquerda brasileira”. Ao terminar a leitura desse sempre instigante ensaio, por um momento, me perguntei se o autor não estaria se rindo de mim e de seus leitores.

Mário Maestri é historiador e orientador do Programa de Pós-Graduação em História UPF-RS.