quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O PROFESSOR, O JORNALISTA E A ONDA DO POLITICAMENTE INCORRETO


  Antes de assistir a notícia, é preciso comentar duas conclusões importantes:

1º  O que um PROFESSOR não deve ser ou o que não ser quando crescer.
2º  Como deve ser um JORNALISTA ou como todos deveriam ser.

Agora assista a reportagem, para ver o professor e ao final o jornalista (são 5'22)



  Tem um monte de absurdos na fala deste “professor”: ele despeja preconceitos de vários tipos, o pior é ser determinista, ou seja, as pessoas que não tiveram oportunidades estão fadadas ao fracasso pelo meio em que viveram e não podem frequentar uma Universidade.  A Universidade tem uma função social, ao contrário do que o pensamento elitista desse senhor, é de agregar e transformar a sociedade e não excluir e garantir a desigualdade perpétua como ele sugere. Já  existem dados que contrariam a análise pífia desse senhor, que comprovam que o desempenho dos cotistas negros ou indígenas não é inferior aos demais.

   Eu tive alunos pobres, negros ou não de periferia, sem acesso ao bens de consumo e cultura, que se desenvolveram, se transformaram e se destacaram dentro da Universidade e hoje são excelentes profissionais Hoje tenho alunos pobres, do meio rural (da roça, como gostam de dizer) que tem um entendimento das aulas e um aproveitamento do curso muito maior que muitos alunos urbanos não cotistas. Ninguém dúvida que com acesso a cultura, educação, leituras e viagens a jornada fica mais fácil, mas afirmar que isso detemina a inteligência, a capacidade e a qualidade do profissional é discriminatóorio e perverso.

   O fato é que eu nunca divido meus alunos dessa forma esquemática - que este senhor fez na sua fala - elitista e sem fundamento. Usando um vocabulário requintado e demonstrando um conhecimento acadêmico ele quer nos convencer de sua sabedoria e lógica pessoal.(e é bom lembrar que consegue convencer muitos que estão fora da Universidade e tendem facilmente a cair nesses argumentos-armadilhas) 


Professor RACISTA do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), 
Manoel Luiz Malaguti.

   Essa visão determinista que no século XIX e inicio do século XX  (vide Nina Rodrigues e Cia.) gerou a teoria do embranquecimento é tão ultrapassada quanto a visão míope dele sobre a função social da Universidade. Isso nos prova que a nossa luta pela transformação é cotidiana e se dá em todos os espaços. Dizer que confiaria mais num branco por que este tem berço e o negro pobre está fadado ao fracasso é sim preconceituoso, professor. Tem crescido o número de pessoas que falam os maiores absurdos  contra mulheres, gays, negros e pobres e depois se defendem “mas eu não sou preconceituoso”. O preconceito, a discriminação, o sexismo devem ser  denunciados e atacado, não podemos ter pudor. Que os preconceituosos se reconheçam como tal.  Mesmo que não saibam que são.

  Quando as minorias não tinham voz, as piadas podiam ser feitas livremente, nos Trapalhões, nos programas de humor ou em qualquer buteco. Tudo era visto como ingênuo, inofensivo e permitido. Agora que podemos reclamar, que os movimentos sociais conquistaram voz a sociedade fica chateada por que acha muito chato o “POLITICAMENTE CORRETO”, melhor antes quando tudo era permitido e ninguém tinha voz para reclamar...bons tempos da Ditadura, não é?

   O interessante é que ao defender que o politicamente correto é muito chato, acabamos por assistir uma onde do politicamente incorreto, as redes sociais se tornaram meio para todos tipo de absurdidade como mandar “nordestino tomar no cú” ou chamar a Presidenta de “vaca, puta e vadia” ou ainda dizer que o Jean Wyllys é uma “bicha louca arrombada”. (exemplos tirados do Facebook, infelizmente!) A isso as pessoas chamam de direito de expressar sua opinião, mas sempre afirmando, claro, que não são precocituosos.

  NÃO. Não podemos tratar a mulher como objeto sexual, burra e consumista no ZORRA TOTAL e achar normal, permitir que meninos brancos e mimados como DANILO GENTILI faça piadas com os negros e achar engraçado e ingênuo. Não podemos permitir piada que inferioriza a capacidade dos negros. Não podemos continuar chamando os gays de bichas, viadinhos ou qualquer coisa assim por que isso dissemina preconceito sim. Você pode até fazer sem intenção, mas outros introjetam essas “piadas” e demitem os negros, pagam salários menores, saem nas ruas para bater e matar gays e assim por diante.

   O tal professor (me dói chama-lo assim), na entrevista afirma  que ele não quis dizer que eles (os negros) são inferiores, apenas que sua origem social (de classe) e diferença com os brancos não cotistas faz essa desigualdade de condições.Ora, isso não é o mesmo que dizer que eles são inferiores e os brancos superiores? Como afirmou o jornalista no seu fabuloso comentário: "o professor classifica os alunos como seres menores  que ele precisa se rebaixar para se fazer entendido (...)perdeu a noção do respeito (...) do alto da sua inteligência esnobe"

   Vale pensar na fala da minha amiga Dra. Luciana Borges, professora do Departamento de Letras da UFG, negra, mulher e militante:  “por essa lógica determinista eu não seria doutora e professora da universidade: fui uma criança negra , que se alimentava mal, estudava em escola pública, morava na periferia (hoje o bairro é central, mas quando meu pai comprou era uma ZBM de Catalão), não tinha livros em casa e nem pais escolarizados”

   Num outro vídeo divulgado pela TV, mais completo, o professor ainda diz:

“NO MEIO DE UMA DISCUSSÃO SOBRE O SISTEMA DE COTAS, EU COLOQUEI QUE SE EU TIVESSE QUE ESCOLHER ENTRE DOIS MÉDICOS,  UM BRANCO E UM NEGRO, COM O MESMO CURRÍCULO, EU ESCOLHERIA O BRANCO. PORQUE EU ESCOLHERIA O BRANCO? PORQUE OS NEGROS,  EM MÉDIA, VEM DE COMUNIDADES  MENOS PRIVILEGIADAS - PARA NÃO USAR UM TERMO MAIS FORTE - E NESSE SENTIDO ELES NÃO TEM UMA SOCIALIZAÇÃO PRIMÁRIA QUE OS TORNE RECEPTIVOS AOS TRÂMITES DA UNIVERSIDADE, A FORMA DE ATUAÇÃO DA UNIVERSIDADE, AOS OBJETIVOS DA UNIVERSIDADE. ELES TEM MUITO MAIS DIFICULDADES PARA ACOMPANHAR (...)
NÃO É UMA VISÃO PRECONCEITUOSA,  É BASTANTE REALISTA.  A BIOLOGIA E GENÉTICA,  ELAS NOS INFORMAM QUE AS CONEXÕES NEURAIS QUE AS JÁ ESTÃO ESTABELECIDAS E QUALQUER COISA QUE ACONTEÇA APÓS OS 7 ANOS,  É UMA INFLUÊNCIA DA RAZÃO, DO PENSAMENTO  TENTANDO MUDAR OS CONCEITOS E PRECONCEITOS ADQUIRIDOS NESTA ÉPOCA CHAVE QUE DETERMINA A PERSONALIDADE DA PESSOA. E É UMA DIFICULDADE MUITO GRANDE PRA VOCÊ SE LIVRAR DESSES CONCEITOS E PRECONCEITOS QUE UMA FAMÍLIA DESPRIVILEGIADA, SEM ACESSO A CULTURA, SEM ACESSO A LITERATURA, SEM ACESSO A OUTROS IDIOMAS,  MEIOS DE COMUNICAÇÃO MAIS SOFISTICADOS, OBVIAMENTE ESSAS FAMÍLIAS TERÃO MAIS DIFICULDADES EM ENFRENTAR UM CURSO UNIVERSITÁRIO. (...) HÁ UMA MAIOR DIFICULDADE AO COTISTA NEGRO. (...)
EM FUNÇÃO DA POSSIBILIDADE ESTÁSTICA DESSE MÉDICO BRANCO TER TIDO UMA FORMAÇÃO MAIS PRECIOSA, MAIS CULTIVADA ESCOLHERIA O BRANCO.  EU POR EXEMPLO, AO TER QUE ESCOLHER TANTO ADVOGADOS COMO MÉDICOS, ESCOLHERIA OS BRANCOS”

(Aqui está o link deste outro vídeo com essa fala completa)


Ironia do destino – para o professor, é claro – um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), negro se sentiu ofendido por suas declarações e abriu uma representação representação criminal no Ministério Público Federal (MPF). A fala dele é taxativa: "ele é nazista, não podia estar dentro de uma faculdade".
Concordo Desembargador!!!


 Acho que o professor vai ter que contratar um advogado, branco é claro, para se defender....

   Para finalizar, do ponto de vista da História, afinal sou uma professora (de fato) de História, reproduzo um trecho de um artigo meu publicado recentemente:



“Nesse sentido, defendemos o ensino de História numa perspectiva crítica, pluralista e combativa, que contribua para a revisão dos currículos e métodos de ensino, construção de novas práticas e políticas no sentido de combater a exclusão, a dominação e o desaparecimento da cultura indígena e tradições afro-brasileiras que constituam a formação de nossa população.

O desafio das atuais politicas públicas e da educação é garantir a continuidade e a ampliação das ações efetuadas até aqui e garantir a existência e os direitos da educação indígena. Para tal, o ensino de história crítico é fundamental para que auxilie os não indígenas a romperem com seus preconceitos e para que desenvolvam uma visão mais plural e diversa da nossa sociedade.”

MENDES,  Lilian Marta Grisolio. Interculturalidade e o Ensino de História Indígena: os avanços e entraves das políticas públicas na temática indígenas nas escolas, IN: Anais do 7 Encontro do CEDAP: culturas indígenas e identidades, Assis, SP, 23 a 25 de abril de 2014 [ recurso eletrônico] / Zélia Lopes da Silva (Org.). Assis: UNESP - Campus de Assis, 2014. 
Texto disponível em:

http://www2.assis.unesp.br/fcl/livro/anais_vii_encontro_cedap/#2 


Enfim, continuo na luta, por que apesar de tudo, nós existimos. Todos nós.

Obrigada. E boa reflexão.