terça-feira, 15 de outubro de 2013

Colônia Paulista+PSDB+Greve+Polícia+Ensino Superior+Alunos: Temos o que comemorar? Uma reflexão a partir da minha trajetória para professores e principalmente para os não professores

       Tenho minhas dúvidas se neste Dia dos Professores devemos realmente celebrar alguma coisa! Lamento lembrá-los, mas essa é uma das categorias mais achincalhadas e mais mal remuneradas do país. Estuda-se muito e o retorno é uma vergonha. Proponho-me aqui a pensar minha trajetória para tentar sanar essa dúvida: TEMOS O QUE COMEMORAR NESTE DIA?
O magistério foi uma escolha e não um acontecimento na minha vida.
No ano de 1994 ingressei em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC.  Três meses depois do ingresso, iniciei minha vida no magistério pegando aulas de História numa escola estadual em área semi-rural da cidade de São Paulo, a EEPG Ernestino Lopes da Silva, no bairro Colônia Paulista, último bairro da cidade antes da estrada velha para Santos. Um lugar onde ninguém queria ir e na época sobrava aula para estudantes e outros profissionais. No ano seguinte o Sr. Mario Covas assumiu o governo do Estado e eu não podia imaginar que aquela situação de alunos e professores que já era difícil se tornaria inviável a partir dali.
A história dessa escola se confunde com minha história da graduação. Os cinco anos que estudei na PUC foram os mesmo que lecionei no Ernestino. Sai às 6h da manhã da minha casa no Rio Bonito (bairro da periferia da zona sul) e ia para a PUC. Ao meio dia eu saia correndo, pegava dois ônibus e chegava por volta às 14h30min e 15h no Colônia. Na época eu contava com uma grande amiga, era a merendeira que com pena de mim, preparava sempre alguma coisa pra eu comer antes de entrar na sala de aula. Lecionava no famoso turno das 3 às 7h e das 7 às 11h. Saiamos em comboio no último ônibus e voltava em 40 minutos para casa. COISAS DA VIDA: UM PERÍODO TÃO PESADO QUE EU LEMBRO COM TANTA LEVEZA. Falando assim parece só sofrimento, no entanto hoje tenho clareza que aquele período me transformou no que hoje sou.
Teoria e prática se fundiam numa mesma trajetória que se moldava pouco a pouco. No Ernestino aprendi as dores e as alegrias do magistério. Comecei crua, sem saber exatamente qual era minha função com aquelas crianças e jovens e aos poucos fui compreendendo minha função social como professora e historiadora. O maior feito daquela época conturbada e de transição na educação foi lecionar História para a mesma turma acompanhando-os desde a 5ª série até a formatura. Este tipo de experiência me forjou como professora. Guardo na gaveta das MELHORES MEMÓRIAS os meus queridos alunos do Ernestino. Sem eles este texto não existiria.
Foi sem dúvida essa primeira experiência que me fez, mas depois vieram o Colégio São José e aquela turma que atropelou meus preconceitos e me fizeram uma pessoa melhor. Alunos dessa escola me ajudaram -sem saber- a manter minha cabeça pra fora da lama. Sou grata eternamente.
Depois, tantas outras escolas públicas vieram - já no processo de precarização do trabalho docente no governo do PSDB, era cada vez mais difícil conseguir aula (escolas que fechavam, salas que desapareciam), atribuições que mais pareciam (e parecem) sessões de tortura, humilhação e escracho público (QUEM NUNCA PARTICIPOU DE UMA ATRIBUIÇÃO DE AULA NOS ÚLTIMOS 20 ANOS NÃO SABE DE FATO O QUE SIGNIFICA A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DESSE GOVERNO).
Dei aula em Perus, na zona rural de Mairiporã, Cambuci e até na Av. Paulista no projeto Recuperação nas Férias já nos anos 2000. Pensava que as coisas não podiam ser piores para os professores... ledo engano! Implementava-se o projeto ESCOLA DA FAMÍLIA que arregimenta um número grande de trabalhadores – todos alunos universitários - para a escola e que acabavam por cumprir um duvidoso papel no sistema escolar nos fins de semana.
 Na greve de 2000, quando uma grande massa de professores percebeu que a vida tinha piorado muito, a violência policial foi indescritível! Na Paulista, numa das passeatas até a Secretaria da Educação, única forma de dar visibilidade da nossa situação, recebi cutucadas violentas de um policial militar para que eu me mantivesse na faixa designada pelo comandante do pelotão. Quando me virei para reclamar de dor, minha surpresa: ele olhava pra mim pasmo, um misto de VERGONHA E ARREPENDIMENTO. Era um ex-aluno do Colônia que estudou em sala super lotada, no extremo da zona sul – região esquecida pelas políticas públicas. Ele sabia como nós professores sofremos e lutamos por melhores condições para nós e para eles também. Porém, estávamos ali, agora de lados opostos – ele tinha o papel de me controlar e coagir. Preferiu abaixar a cabeça e acelerar o passo. NUNCA MAIS O VI.
Pouco tempo depois escrevi um artigo denunciando o verdadeiro projeto de educação do governo de SP, agora completando 18 anos no poder e alcançando índices vexatórios na educação pública! As escolas de São Paulo são uma vergonha. Neste artigo eu afirmava:

“A EDUCAÇÃO É UM DOS PONTOS FORTES DA RETÓRICA NEOLIBERAL. ESTE PROJETO DE CONTROLE SOCIAL DA BURGUESIA TRANSFORMA A EDUCAÇÃO EM MERCADORIA TIRANDO-A DA ESFERA DO DIREITO INALIENÁVEL DE TODO SER HUMANO. A PREOCUPAÇÃO BÁSICA DOS SETORES DA BURGUESIA É COM O MERCADO, ASSIM A ESCOLA PASSA A SER A INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL POR FORNECER MÃO DE OBRA QUALIFICADA. NESTA PERSPECTIVA, O PROFESSOR NADA MAIS É DO QUE UM AGENTE FORMADOR DE MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, UM BABÁ DE FUTUROS TRABALHADORES OU DESEMPREGADOS. A DISTORÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA E DA EDUCAÇÃO SE COLOCA AQUI EM SUA PLENITUDE: A EDUCAÇÃO NÃO É MAIS PARA O DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL DO SER HUMANO E O EDUCADOR NÃO É MAIS O PROFISSIONAL QUE FAZ A MEDIAÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO E O ALUNO. O NEOLIBERALISMO MERCANTILIZA A ESCOLA, A EDUCAÇÃO E O PRÓPRIO EDUCADOR”.

Enfim, continuei minha trajetória e resolvi seguir a vida acadêmica. Percebi que poderia ajudar na formação de novos professores.  Fiz meu Mestrado em História em meio a todas as dificuldades possíveis e imagináveis. Parei por um bom tempo e me dediquei a lecionar no Ensino Superior privado. E já se foram mais de 12 anos no Ensino Superior em graduações de História, Pedagogia e demais cursos que me trouxeram para a triste realidade: não era só a educação básica que vivia aquela situação caótica.
As condições de trabalho na maioria das instituições de Ensino Superior privado são terríveis. Nenhum incentivo à pesquisa, um crescente aumento da carga horária, salas superlotadas, sistemas de avaliações descabidos que gera pressão para aprovação sem critérios dos alunos, vistos sobretudo como “clientes”. Jogar mão de obra barata no mercado e rápido (cursos de no máximo três anos), não importando qual a real formação desse aluno. Esta era uma situação que dia a dia se tornava insustentável e dava sinais, como se confirmou mais tarde, de que a tendência era o aprofundamento das condições degradantes de trabalho. 
Sem saber bem como explicar aqui, consegui fazer meu Doutorado em História e contei com muitos alunos que ajudaram diretamente na Tese ou com paciência assistiram aulas nem sempre bem preparadas por falta de tempo e fôlego. E assim consegui chegar a Universidade Federal: anos luz à frente do Ensino  Superior Privado, mas sucateada e deteriorada pelas antigas e atual gestão.
Para minha sorte, como sempre, encontrei alunos que fizeram toda a diferença, parceiros nessa trajetória. Hoje muitos são amigos fiéis e em sua maioria professores como eu. Outros, é claro, no máximo me respeitam e outros, como não poderia deixar de ser, não me suportam. Unanimidade nunca foi meu forte.
Não posso negar que trabalhar nestas condições repletas de adversidades, exige jogo de cintura e capacidade de superar dilemas, o que é uma grande escola. MAS O MAIS DIFÍCIL É CONTINUAR NA LUTA. Muitos desistem, muitos sucumbem ao que aí está. Mas a grande maioria luta, grita, vão às ruas. E não é por que tem vocação, amor à profissão, e nasceu pra isso. Não. Nós estudamos muito, como médicos, advogados e engenheiros. Aprendemos a ser um bom professor. Amor só não basta, por que diante de tantas mazelas, o amor se esvai. Professor tem compromisso, persistência, vontade e força mesmo, por que acredita numa sociedade melhor e na transformação social. Formei muitos alunos para luta e hoje entendem no chão da sua sala de aula o que eu dizia há tempos atrás: Nós existimos e enquanto estivermos aqui, a luta continua.

Eis que consegui minha resposta. Sim, temos que celebrar sim. Nossa existência, nossas conquistas e nossa luta. Então, PARABÉNS PROFESSORES. 


PS1. SEM ESQUECER AQUELES QUE POR CONTA DAS MAZELAS DESSE SISTEMA NEM ACESSO A EDUCAÇÃO TEM, SÃO BILHÕES DE PESSOAS NO MUNDO QUE ESTÃO ABAIXO DA LINHA DA POBREZA, OU SEJA, NÃO EXISTEM PARA O MUNDO. MAS PODE ACREDITAR, ELES SÃO REAIS.

PS2. Se não lembra ou não viveu a GREVE DE 2000, assista aos vídeos disponíveis no You Tube ou esse aqui.


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