Tenho minhas dúvidas se neste Dia dos Professores devemos realmente
celebrar alguma coisa! Lamento lembrá-los, mas essa é uma das categorias mais achincalhadas
e mais mal remuneradas do país. Estuda-se muito e o retorno é uma vergonha. Proponho-me
aqui a pensar minha trajetória para tentar sanar essa dúvida: TEMOS O QUE COMEMORAR NESTE DIA?
O magistério foi uma escolha e
não um acontecimento na minha vida.
No ano de 1994
ingressei em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -
PUC. Três meses depois do ingresso,
iniciei minha vida no magistério pegando aulas de História numa escola estadual
em área semi-rural da cidade de São Paulo, a EEPG Ernestino Lopes da Silva, no
bairro Colônia Paulista, último bairro da cidade antes da estrada velha para
Santos. Um lugar onde ninguém queria ir e na época sobrava aula para estudantes
e outros profissionais. No ano seguinte o Sr. Mario Covas assumiu o governo do
Estado e eu não podia imaginar que aquela situação de alunos e professores que
já era difícil se tornaria inviável a partir dali.
A história
dessa escola se confunde com minha história da graduação. Os cinco anos que
estudei na PUC foram os mesmo que lecionei no Ernestino. Sai às 6h da manhã da
minha casa no Rio Bonito (bairro da periferia da zona sul) e ia para a PUC. Ao
meio dia eu saia correndo, pegava dois ônibus e chegava por volta às 14h30min e
15h no Colônia. Na época eu contava com uma grande amiga, era a merendeira que
com pena de mim, preparava sempre alguma coisa pra eu comer antes de entrar na
sala de aula. Lecionava no famoso turno das 3 às 7h e das 7 às 11h. Saiamos em
comboio no último ônibus e voltava em 40 minutos para casa. COISAS DA VIDA: UM
PERÍODO TÃO PESADO QUE EU LEMBRO COM TANTA LEVEZA. Falando assim parece só
sofrimento, no entanto hoje tenho clareza que aquele período me transformou no
que hoje sou.
Teoria e
prática se fundiam numa mesma trajetória que se moldava pouco a pouco. No
Ernestino aprendi as dores e as alegrias do magistério. Comecei crua, sem saber
exatamente qual era minha função com aquelas crianças e jovens e aos poucos fui
compreendendo minha função social como professora e historiadora. O maior feito
daquela época conturbada e de transição na educação foi lecionar História para
a mesma turma acompanhando-os desde a 5ª série até a formatura. Este tipo de
experiência me forjou como professora. Guardo na gaveta das MELHORES MEMÓRIAS os
meus queridos alunos do Ernestino. Sem eles este texto não existiria.
Foi sem dúvida essa primeira
experiência que me fez, mas depois vieram o Colégio São José e aquela turma que
atropelou meus preconceitos e me fizeram uma pessoa melhor. Alunos dessa escola
me ajudaram -sem saber- a manter minha cabeça pra fora da lama. Sou grata
eternamente.
Depois, tantas
outras escolas públicas vieram - já no processo de precarização do trabalho docente
no governo do PSDB, era cada vez mais difícil conseguir aula (escolas que fechavam,
salas que desapareciam), atribuições que mais pareciam (e parecem) sessões de
tortura, humilhação e escracho público (QUEM NUNCA PARTICIPOU DE UMA ATRIBUIÇÃO
DE AULA NOS ÚLTIMOS 20 ANOS NÃO SABE DE FATO O QUE SIGNIFICA A POLÍTICA DE
EDUCAÇÃO DESSE GOVERNO).
Dei aula em
Perus, na zona rural de Mairiporã, Cambuci e até na Av. Paulista no projeto Recuperação nas Férias já nos anos 2000.
Pensava que as coisas não podiam ser piores para os professores... ledo engano!
Implementava-se o projeto ESCOLA DA FAMÍLIA que arregimenta um número grande de
trabalhadores – todos alunos universitários - para a escola e que acabavam por
cumprir um duvidoso papel no sistema escolar nos fins de semana.
Na greve de 2000, quando uma grande massa de
professores percebeu que a vida tinha piorado muito, a violência policial foi indescritível!
Na Paulista, numa das passeatas até a Secretaria da Educação, única forma de
dar visibilidade da nossa situação, recebi cutucadas violentas de um policial
militar para que eu me mantivesse na faixa designada pelo comandante do
pelotão. Quando me virei para reclamar de dor, minha surpresa: ele olhava pra
mim pasmo, um misto de VERGONHA E ARREPENDIMENTO. Era um ex-aluno do Colônia
que estudou em sala super lotada, no extremo da zona sul – região esquecida
pelas políticas públicas. Ele sabia como nós professores sofremos e lutamos por
melhores condições para nós e para eles também. Porém, estávamos ali, agora de
lados opostos – ele tinha o papel de me controlar e coagir. Preferiu abaixar a
cabeça e acelerar o passo. NUNCA MAIS O VI.
Pouco tempo
depois escrevi um artigo denunciando o verdadeiro projeto de educação do governo
de SP, agora completando 18 anos no poder e alcançando índices vexatórios na educação
pública! As escolas de São Paulo são uma vergonha. Neste artigo eu afirmava:
“A EDUCAÇÃO É UM DOS PONTOS FORTES DA RETÓRICA NEOLIBERAL. ESTE PROJETO
DE CONTROLE SOCIAL DA BURGUESIA TRANSFORMA A EDUCAÇÃO EM MERCADORIA TIRANDO-A
DA ESFERA DO DIREITO INALIENÁVEL DE TODO SER HUMANO. A PREOCUPAÇÃO BÁSICA DOS
SETORES DA BURGUESIA É COM O MERCADO, ASSIM A ESCOLA PASSA A SER A INSTITUIÇÃO
RESPONSÁVEL POR FORNECER MÃO DE OBRA QUALIFICADA. NESTA PERSPECTIVA, O
PROFESSOR NADA MAIS É DO QUE UM AGENTE FORMADOR DE MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA,
UM BABÁ DE FUTUROS TRABALHADORES OU DESEMPREGADOS. A DISTORÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL
DA ESCOLA E DA EDUCAÇÃO SE COLOCA AQUI EM SUA PLENITUDE: A EDUCAÇÃO NÃO É MAIS
PARA O DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL DO SER HUMANO E O EDUCADOR NÃO É MAIS O
PROFISSIONAL QUE FAZ A MEDIAÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO E O ALUNO. O
NEOLIBERALISMO MERCANTILIZA A ESCOLA, A EDUCAÇÃO E O PRÓPRIO EDUCADOR”.
Enfim, continuei
minha trajetória e resolvi seguir a vida acadêmica. Percebi que poderia ajudar
na formação de novos professores. Fiz meu
Mestrado em História em meio a todas as dificuldades possíveis e imagináveis.
Parei por um bom tempo e me dediquei a lecionar no Ensino Superior privado. E
já se foram mais de 12 anos no Ensino Superior em graduações de História,
Pedagogia e demais cursos que me trouxeram para a triste realidade: não era só
a educação básica que vivia aquela situação caótica.
As condições
de trabalho na maioria das instituições de Ensino Superior privado são
terríveis. Nenhum incentivo à pesquisa, um crescente aumento da carga horária, salas
superlotadas, sistemas de avaliações descabidos que gera pressão para aprovação
sem critérios dos alunos, vistos sobretudo como “clientes”. Jogar mão de obra
barata no mercado e rápido (cursos de no máximo três anos), não importando qual
a real formação desse aluno. Esta era uma situação que dia a dia se tornava
insustentável e dava sinais, como se confirmou mais tarde, de que a tendência
era o aprofundamento das condições degradantes de trabalho.
Sem saber bem como explicar aqui,
consegui fazer meu Doutorado em História e contei com muitos alunos que ajudaram
diretamente na Tese ou com paciência assistiram aulas nem sempre bem preparadas
por falta de tempo e fôlego. E assim consegui chegar a Universidade Federal:
anos luz à frente do Ensino Superior
Privado, mas sucateada e deteriorada pelas antigas e atual gestão.
Para minha
sorte, como sempre, encontrei alunos que fizeram toda a diferença, parceiros
nessa trajetória. Hoje muitos são amigos fiéis e em sua maioria professores
como eu. Outros, é claro, no máximo me respeitam e outros, como não poderia
deixar de ser, não me suportam. Unanimidade nunca foi meu forte.
Não posso negar
que trabalhar nestas condições repletas de adversidades, exige jogo de cintura
e capacidade de superar dilemas, o que é uma grande escola. MAS O MAIS DIFÍCIL É CONTINUAR NA LUTA.
Muitos desistem, muitos sucumbem ao que aí está. Mas a grande maioria luta,
grita, vão às ruas. E não é por que tem vocação, amor à profissão, e nasceu pra
isso. Não. Nós estudamos muito, como médicos, advogados e engenheiros.
Aprendemos a ser um bom professor. Amor só não basta, por que diante de tantas
mazelas, o amor se esvai. Professor tem compromisso, persistência, vontade e
força mesmo, por que acredita numa sociedade melhor e na transformação social.
Formei muitos alunos para luta e hoje entendem no chão da sua sala de aula o
que eu dizia há tempos atrás: Nós existimos e enquanto estivermos aqui, a luta
continua.
Eis que consegui minha resposta. Sim,
temos que celebrar sim. Nossa existência, nossas conquistas e nossa luta. Então, PARABÉNS PROFESSORES.
PS1. SEM ESQUECER AQUELES QUE POR
CONTA DAS MAZELAS DESSE SISTEMA NEM ACESSO A EDUCAÇÃO TEM, SÃO BILHÕES DE
PESSOAS NO MUNDO QUE ESTÃO ABAIXO DA LINHA DA POBREZA, OU SEJA, NÃO EXISTEM
PARA O MUNDO. MAS PODE ACREDITAR, ELES SÃO REAIS.
PS2. Se não lembra ou não viveu a GREVE DE 2000, assista aos vídeos disponíveis no You Tube ou esse aqui.
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