quarta-feira, 20 de novembro de 2013

PRA QUE UM DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA? RACISMO, ALIENAÇÃO E O DISCURSO DO SENSO COMUM

Um mundo mais plural pressupõe transformações e novas práticas. Uma temática fundamental nessa direção de rever o passado e superar ranços e erros históricos cometidos pela humanidade é a questão que envolve a população negra em nosso país. Para ser objetiva partirei da questão mais essencial: por que devemos ensinar  e aprender sobre a história da África a e sobre  os afro-brasileiros?

Poderíamos responde com outra pergunta: por que estudamos toda a história da Europa e dos EUA? Mas a resposta reside na visão estereotipada e reproduzida por décadas sobre aquele continente. Se indagarmos as pessoas sobre questões relativas a África e seu povo, percebemos o total desconhecimento que contrasta com o grande conhecimento que temos sobre feudalismo, revolução francesa ou qualquer guerra mundial.

Vale começar destacando as similitudes que aproxima nosso pais daquele continente, à saber, nossa proximidade climática, a diversidade ambiental, cultural e religiosa, a presença marcante daquela cultura na formação da nossa, a influência das línguas, entre outras coisas. Por estas e outras razões, nos últimos anos vem sendo realizados a introdução do ensino de Africa e afro-brasileiros nas escolas o que nós chamamos de  uma ação em prol de uma afro educação, negada veementemente durante toda a história da nossa educação, tanto por motivos ideológicos, como preconceitos e ignorância. Para a realização desse ensino é preciso uma mudança de comportamento, romper com aquela visão tradicional e falas do tipo “no meu tempo”. É preciso uma visão ampliada e plural que aponte para as enormes contribuições do continente africano nas mais diversas áreas do conhecimento, rompendo com a visão de que apenas os europeus trouxeram cultura e conhecimento para o Brasil.

Do ponto de vista do ensino de história, especificamente, desde 1988 a Constituição Federal trás  significativas contribuições ao declarar que o ensino de história deve obrigatoriamente levar em conta todas as diferentes culturas e etnias  que fizeram parte da formação do povo brasileiro. É claro, que sempre há aqueles que querem – por vários motivos – ignorar nossa miscigenação e afirmar nossa linhagem branca e exclusivamente europeia. Obviamente uma grande bobagem.

A LDB de 1996, por sua vez ratificou aa lei citando a três matrizes: a indígena, a africana e a europeia. Em 1997 os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) trazem nos temas transversais a questão da Pluralidade Cultural e já em 1999 se afirmou o debate sobre a inclusão da história da cultura afro brasileira   nas salas de aula. É preciso reconhecer que foram os movimentos sociais, organizações e universidades os sujeitos ativos dessas reinvindicações e conquistas alcançadas. Todavia somente em 2003 foram assinados dois instrumentos jurídicos importantes que tornaram o ensino história afro-brasileiro obrigatório. Sim, parece absurdo criar uma lei que obrigue discutir e ensinar algo tão fundamental em nossa história, no entanto, os caminhos de nossa educação, explicam essa aparente incoerência.  A Lei 10.639 (assim como a 4886 – PNPIR) atendeu as demandas ligadas as políticas afirmativas que em síntese buscam vender preconceitos e desigualdades raciais acumuladas historicamente. Essas leis além de apontar a necessidade da ideia de pluralidade racial, escancarou os problemas  do campo educativo que permitiu permanência e reprodução  de discriminações  nos conteúdos e materiais escolares.

Evidentemente tais questões geram uma série de controvérsias e polemicas, ainda mais em tempos de novo Tribunal da Inquisição renomeado e atualizado como Facebook. Todos independente da formação, grau de conhecimento e profundidade sobre qualquer assunto pode opinar e mais do que isso julgar e sentenciar, normalmente ao linchamento público e a morte. São diversas alegações contrárias as leis, mas o fato é que essas leis são fruto de um longo debate político-educacional e de séria atuação de grupos que com sua luta constante e persistente num cenário quase sempre adverso conseguiram transformar práticas estabelecidas há muito tempo. Não foi da noite pro dia.

Por isso conceitos como a interculturalidade é fundamental, pois pressupõe uma relação e interação entre as diversas culturas, não apenas a existência  e a convivência que revela que somos sim uma sociedade multicultural. Não dá pra negar o B – A BA básico: nossas matrizes são 3 e cada qual possui suas especificidades em nossa formação. O índio (ou melhor ainda a s diversas populações indígenas) é o NATIVO, ou seja, já estava aqui com sua cultura e sociedade organizada. O Europeu chegou por vontade própria, dentro do contexto do desenvolvimento do seu continente. E o africano por sua vez, foi obrigado a vir, sem escolha e abandonado em outro continente. Os índios e africanos portanto, apesar de suas diferenças – um é nativo e o outro imigrante forçado – tiveram sua cultura atacada e precisaram se adaptar a nova realidade.

O dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra é mais um momento de conquista e reflexão para trazer o debate à tona de muitas questões que por vezes eram abafadas e silenciadas – como se não existissem. Este dia é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares e negar o dia 13 de maio, dia da Abolição pois muitos consideram que essa data – como muitas outras no Brasil – retrata a passividade do negro diante da liberdade alcançada pela generosidade da Princesa Isabel. De fato, a história da Abolição é muito mais complexa do que eleger uma heroína branca e da monarquia que escravizou os africanos por séculos no Brasil. Você reconhece a foto abaixo?

É a Princesa Isabel e sua família, mas poucos a reconhecem.


Ela já foi representada das mais diversas formas e a construção de uma imagem para servir ao interesse político não é novidade.   

     



Mas reflita quem de fato representa melhor a causa dos negros?


Zumbi,  Líder guerreiro do Quilombo dos Palmares em 20 de novembro de 1688

Um assunto como esse tem milhares de questões mas que aqui não é possível realizar plenamente, porém finalizo com um exemplo pessoal e ilustrativo.

Quando lecionei numa escola da periferia de São Paulo por volta de 2001/2002, numa comunidade que morava ao lado do lixão em Perus, as meninas negras costumavam ficar pegando e alisando meu cabelo, liso e loiro admiradas. Isso me incomodava muito. Além disso, era comum aparecerem queimadas na testa – o que eu não entendia – até o dia que indaguei o que era aquilo. A resposta: “é chapinha prô, às vezes queima, é que a gente tem esse cabelo ruim não é igual ao seu”. Não preciso dizer como me senti, via as crianças chamarem as outras de cabelo de Assolan (propaganda que colocava crianças com cabelo de palha de aço em alusão ao outro produto, Bombril ) e ainda tinha (e tem ainda) a Malhação com aquele padrão estético do que é ser normal. Foi um duro trabalho para construir a auto estima e uma nova visão sobre elas próprias.

Por isso quando me perguntam se é preciso que exista um dia da Consciência Negra a resposta é clara: SIM, é fundamental por que os negros foram destituídos do direito de existir, trabalhar, se achar bonito, se entender nesse mundo por séculos. Nossa história não pode ser apagada simplesmente por que estamos em outros tempos, como muitos alegam. É preciso romper com mecanismos tradicionais de exclusão e infelizmente estamos longe disso.  
Por isso, viva Zumbi, símbolo que é na luta que se conquista direitos!

O desafio atual é garantir a continuidade e ampliação do debate e conquistas.

INDICAÇÃO:
Assista , use e abuse de um documentário fabuloso chamado Olhos Azuis sobre uma experiência – workshop – realizado por uma professora com crianças e depois com adultos. Arrepiante!


·         (Texto sem revisão)

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Nova Iorque: um novo prefeito para a capital do capital


Segunda, 11 de Novembro de 2013.

Por Gregório Carboni Maestri, Nova Iorque.



Enrique é nova-iorquino de 34 anos, puro e duro, viajado, filho de trabalhadores colombianos. É de esquerda, participou no movimento Occupy. Conhece a sub-cultura metropolitana nova-iorquina e, como muitos de sua geração, lembra com nostalgia a Nova Iorque pré-1995. Sim, a cidade era suja, perigosa, devido à introdução do crack dos anos pós-Vietnã. As conseqüências sociais do capitalismo mutante dos últimos anos 70 e a crise social produzida pelos anos Reagan despejavam na cidade desemprego, miséria, prostitutas. Mas, ao mesmo tempo, havia oposição, um resto de oposição. Uma oposiçãozinha política, social, cultural.

Eram os anos do refluxo. Mas como o beira-mar de Rockaways, em Nova Iorque, em maré baixa, o leito da praia era fértil, a areia repleta da espuma salgada, de conchas de contracultura que sobressaíam na superfície. Este refluxo foi mais complexo em Nova Iorque que em outras cidades estadunidenses. Nova Iorque é cidade de trabalhadores, muitos dos quais públicos, organizados em sindicatos, com uma longa história de lutas, não raro duramente reprimidas. Uma história que vai além da caricatura de cidade de yuppies da finança. Para que se tenha uma idéia, The Chief, um jornal muito lido e vendido em todas as bancas de Nova Iorque, se ocupa exclusivamente de questões ligadas aos trabalhadores públicos, desde 1897!

Anos 80, de cultura urbana underground, popular, negra, resíduo de movimento afro-estadunidense recém-derrotado. No Bronx, em Harlem, no Brooklyn, a nova fotografia imortalizava as ruas e os “cortiços” que invadiam os lindos edifícios da antiga burguesia oitocentista. Nova musica pop, r'n'b, rap, Dj's. Jovens artistas pululavam no bairro de SoHo, ocupando grandes espaços históricos da primeira indústria. Os micro-editores publicavam uma nova geração de escritores descendentes de imigrantes latinos, que naqueles anos lutavam por mais direitos. As micro-galerias expunham writers de rua, a arte dos “últimos”, dos gays, do movimento Queer. Em 1985, concluía-se a experiência da revista Oppositions e do Institute for Architecture and Urban Studies, que revolucionara durante a década de '70 a arquitetura estadunidense. Havia um bom cinema nova-iorquino: Cruising, Gloria, Permanent Vacation, Raging Bull e, até mesmo, acreditem, televisão que ainda conseguia expressar a realidade urbana de Nova Iorque: “The Bronx Zoo”, “Equalizer”, “Fame”, “Cagney & Lacey”.

Minha amiga prostituta

A distribuição étnica e social no território, sobretudo de Manhattan, resultara de um século intenso de industrialização capitalista, de uma classe trabalhadora que permeou cada poro da ilha. Etnias e nacionalidades, pobres e ricos, viviam o conflito urbano em um espaço muito vivo. No distrito financeiro, conta Enrique, até meados de '90, à noite, era território das gangs, off limits para os yuppies engravatados. Um pouco distante, nos bairros históricos da ex-Nova Amsterdam, aposentados brancos viviam perto de negros e ricos perto de classe média. Por quê? Porque, em Nova Iorque, muitos dos alugueis eram tabelados e os preços das casas relativamente baixos.

A dona da lavanderia onde eu costumo lavar a roupa em Brooklyn contava como até aquela época, para fechar a loja, pagava jovens traficantes para protegê-la, contra outros traficantes, e no metrô, cruzava cada noite com prostitutas, já suas conhecidas, com quem fizera amizade. Neste contexto, nos primeiros anos 80, nessa Nova Iorque complexa, um jovem estudante cabeludo da Columbia University, Bill De Blasio, nascido no seio de família de classe média baixa, de origem italiana e alemã, com mãe solteira e pai ex-veterano, alcoólatra, suicida. Bill, de esquerda, vai de viagem de estudos para a União Soviética! Casa-se com uma ativista do movimento negro, Chirlane McCray, com a qual celebra lua-de-mel em ... Cuba, do bloqueio. Vai à Nicarágua, durante a Revolução, em solidariedade ao sandinismo, que apoia ativamente. Mas sua fase juvenil radical termina aí, com o final dos 80. Então, entra na carreira política institucional, que nunca abandonará, tornando-se parte da burocracia do Partido Democrata, que, desde 1970, sempre governou a Big Apple.

O fim do ciclo do crack

Com os primeiros anos 90, a administração democrata consegue gradual diminuição da criminalidade, que baixa desde então, chegando aos dias de hoje a um nível pré-1965. Os especialistas dizem que o fenômeno está ligado ao fim do “ciclo” do crack; à legalização da interrupção de gravidez gratuita, certo crescimento de programas sociais, fim da fase recessiva aguda e aumento maciço do policiamento repressivo nos bairros pobres. Mas, em princípios de 1990, a situação era, ainda, sobretudo esteticamente, intolerável para a elite da capital do Império. Demasiados negros, demasiados latinos, demasiados chineses, demasiados pobres e demasiadas putas. Todos eles, demasiadamente perto.

A situação muda radicalmente depois de 1995. Como? “Chegou o prefeito-xerife! O Giuliani!”, exclama desesperado Enrique, contando como, com ele, a cidade será diferente. E o que Giuliani fez, primeiro, para “limpar” a cidade? Simples: liberdade de mercado para os especuladores. Liberalizou os alugueis e os preços das casas. Liberou totalmente a construção de novos edifícios. Em poucos meses, os preços dispararam, expulsando naturalmente a classe média, branca e negra, e os pobres, sobretudo negros e latinos, para as periferias distantes. O policiamento que os democratas começaram tornou-se permanente, total, com a possibilidade da abordagem, da revista e da prisão de qualquer pessoa, por qualquer motivo. Com a polícia com o direito de entrar pelas janelas nos apartamentos. Os objetos das abordagens eram, não é necessário dizer, quase sempre negros e latinos, ou seja, pobres.

A era do capital

Muita repressão e capitalismo depois, em menos de uma década, Nova Iorque transformou-se em uma espécie de paraíso burguês. Uma “jóia” de limpeza, de segurança, de ordem e de progresso. Não há um grafite selvagem ou um papel no chão. A taxa de criminalidade é a mais baixa do país, com menos de dois homicídios e de um roubo de bens ou de carros por dia, para uma população de quase dez milhões de habitantes. E os homicídios e roubos que ocorrem, acontecem, sobretudo, longe dos ricos, nas periferias, entre brancos, negros e pardos pobres.

Os anos 2000 celebravam a glória do liberalismo – a cidade torna-se caríssima, muito chique. Uma fase celebrada pelo esnobismo de mau gosto da série Sex and the City. As classes dominantes estavam felizes. No bairro SoHo, dominavam então as grandes galerias para os ricos colecionadores. Finalmente, o centro de Manhattan pertencia a uma só classe.

A cidade dos desejos


Seu nome não é inventado, nem um trocadilho. Abbondanza é uma suíça de língua italiana que vive há décadas em Nova Iorque. Vende e aluga apartamentos de luxo para milionários, alguns deles brasileiros. Possui um enorme apartamento, nos últimos andares de um arranha-céu, com vista deslumbrante sobre o Central Park, em Columbus Circle, um dos pontos mais exclusivos da cidade. Conta com misto de desgosto e satisfação como, até a chegada do Santo Giuliani, ao voltar com seu marido para casa, à noite, naquele mesmo bairro, cruzavam por uma multidão de putas que, depois de anos, acabaram conhecendo, a todas, pelo nome. Pouco depois de 1995, ano em que inicia a era Giuliani, elas sumiram. “Aonde foram parar?” pergunta Abbondanza. “Ninguém sabe!”, ela mesma responde.

Oito anos mais tarde, Giuliani foi seguido pelo líder dos capitalistas nova-iorquinos, Bloomberg, que continuou a obra do prefeito-xerife. Em três mandatos, um terço do território de Nova Iorque foi cedido à especulação. Não se construiu uma moradia social e o que se fez de público foi feito nos bairros ricos, para valorizá-los. Em média, hoje, um trabalhador paga, por um quarto, em apartamento compartilhado, no mínimo mil dólares! E o discurso dominante das classes dominantes é: “a cidade nunca esteve tão bonita! Não há um criminoso nas ruas! Não se vê uma puta. A miséria desapareceu! A vida é uma maravilha!”.


A cidade invisível

Mas qual foi a contrapartida? Nova Iorque, que tem um PIB de 1,2 trilhão de dólares, quase a metade da riqueza brasileira, jamais, como hoje, foi socialmente tão desigual. Desde a Grande Depressão, em início dos anos 1930, não havia tantos miseráveis: mais de cinqüenta mil sem teto; mais de doze mil famílias sem casa; mais de 22 mil crianças vivendo na miséria absoluta. Uma enorme parte da sua população se equilibra duramente para sobreviver, sem qualquer certeza para o futuro. A magia que operaram os representantes do grande capital foi fazer um “vapt vupt”, lançando os pobres, miseráveis e precários mais visíveis sob o tapete! A pobreza branca, negra e parda foi embretada na periferia, situação que lhe dificultava, já materialmente, incomodar os que importam. Em palavras simples: pobre, hoje, tem que viajar para roubar! A única coisa que se vê são os mendigos no metrô, enquanto reverbera a voz do big brother lembrando aos viajantes que “dar esmola é favorecer a mendicidade”, sobretudo, “é proibido!”.

Nesse contexto que subentendia a destruição da esquerda e dos grupos sociais organizados, o movimento Occupy, do pós-crise de 2008, irrompeu como expressão da vontade de mudança na seio de importantes segmentos da população. Mas ele sumiu tão rapidamente quanto foi intensa sua chegada. E isso graças ao seu literal desprezo para com a organização sindical e partidária e pela já velha e inarredável lição do marxismo, também olimpicamente menosprezado, de que a luta de classe pelo domínio dos meios de produção é a única solução à barbárie capitalista. Jamais compreenderam que não bastava ocupar, simbolicamente, o capital; havia que lutar por controlá-lo e expropriá-lo!

A inconsequência do Occupy

Os poderes fortes do capitalismo adoraram a inconseqüência do Occupy. Desculpem-me a imagem forte, foi simplesmente como esmagar um caracol com o salto do sapato. Isso, associado ao obamismo, fez com que hoje, em Nova Iorque, não haja traço sensível de oposição política. A insatisfação para com uma vida em que o capital domina cada instante quotidiano; o desgosto por uma cidade elitista, economicamente violenta, totalmente ditatorial, introjeta em cada nova-iorquino normal um inconsciente, mas pesado e solitário, sentimento e desejo de um futuro e uma vida melhores, diferentes. Mas não consegue expressá-lo e não há quem materialize esse sentimento em um projeto social e político.

Foi neste contexto que o jovem cabeludo dos anos '80, De Blasio, agora de cabelinho curto e bem vestido, candidatou-se a prefeito. Desde finais daquela década, De Blasio era burocrata do Partido Democrata, participando da administração de bairros de Brooklyn com muita visibilidade e aparente proximidade ao povo. Mas, no frigir dos ovos, em vinte anos, pouco ou nada fez para os trabalhadores e populares. O que fez, sim, foi apoiar as políticas de Bloomberg, apesar de muita oposição no “blá blá blá”, e de sustentar os interesses dos construtores, que agradeceram sua ação financiando ricamente sua campanha. Qualquer semelhança com o Brasil é mera coincidência.

Bandeiras vermelhas

Interpretando a vontade de mais radicalidade, de um giro à esquerda, de maior intervenção pública dos poderes públicos na vida quotidiana da população, construiu uma campanha – até esteticamente – insólita, em verdade talvez jamais vista nos EUA. Muito parecida com o que o PT costumava fazer: fundo vermelho – que aqui é a cor do comunismo! Slogans claramente radicais e de esquerda: Impostos mais altos aos ricos! Mais casas sociais aos pobres e à classe média! Menos desigualdades econômicas! Os ricos de Wall-Street também devem pagar! O prefeito para os “99%”! A adesão dos sindicatos e da população foi fulgurante, imediata. E o casal multiétnico dava aos De Blasio's uma estética de grande sucesso. O filho Dante, penteado à moda das Panteras Negras, foi um magnífico mascote.

A vitória foi esmagadora, 72%. Nem o Lula faria tanto! Minha bola de cristal me disse que, nesse mandato, as modificações para os trabalhadores e para a população serão poucas ou nulas. Que a crise econômica vai piorar ainda mais as condições populares de vida. Que a decepção pelo prefeito “comunista” será grande e, com ela, um refluxo ainda maior da esquerda na cidade.


Não há dinheiro!

Eleito, De Blasio anunciou que as centenas de milhares de trabalhadores públicos da prefeitura com contrato vencido há anos não poderão ser renovados. Não há dinheiro! Vai renovar alguns contratos, em troca de “concessões” dos sindicatos para diminuição de salários. Quanto a sua obsessão histórica, as casas para os pobres, qual é seu plano? Dar ainda mais autorizações de edificação a empreendedores especulativos, com vantagens econômicas atrativas, desde que construam, como “uma parte” dos prédios, algumas habitações para classe média ou pobre. São as cotas que chegam à especulação imobiliária. A prefeitura de NY não construirá nadinha! E a tal de taxa para os ricos? Sem a autorização do governo do estado de Nova Iorque, não será possível brincar de Robin Hood, já se propõe.

Única notícia positiva neste mar de tristezas onde um camarada do passado se elege para seguir a política do capital são dois candidatos, Anthony Gronowicz, do Partido Verde, professor universitário, boa pessoa, vagamente de esquerda; e Daniel Fein, do Socialist Worker, montador mecânico em uma fábrica de eletrônicos, único candidato camarada a sério, com um programa socialista para os trabalhadores. Juntos tiveram quase 6 mil votos. Não é muito, mas já que ninguém registrou o feito, eu o faço. 


- Gregório Carboni Maestri, 36, arquiteto, é belga, italiano e brasileiro. Doutorando em arquitetura pela Universidade de Palermo. É atualmente Visiting Research Scholar pela Columbia University, Nova Iorque. E-mail: gc2589@columbia.edu 

Texto In:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9053:submanchete111113&catid=72:imagens-rolantes