Um mundo mais plural pressupõe
transformações e novas práticas. Uma temática fundamental nessa direção de
rever o passado e superar ranços e erros históricos cometidos pela humanidade é
a questão que envolve a população negra em nosso país. Para ser objetiva
partirei da questão mais essencial: por que devemos ensinar e aprender sobre a história da África a e
sobre os afro-brasileiros?
Poderíamos responde com outra
pergunta: por que estudamos toda a história da Europa e dos EUA? Mas a resposta
reside na visão estereotipada e reproduzida por décadas sobre aquele
continente. Se indagarmos as pessoas sobre questões relativas a África e seu
povo, percebemos o total desconhecimento que contrasta com o grande
conhecimento que temos sobre feudalismo, revolução francesa ou qualquer guerra
mundial.
Vale começar destacando as
similitudes que aproxima nosso pais daquele continente, à saber, nossa
proximidade climática, a diversidade ambiental, cultural e religiosa, a
presença marcante daquela cultura na formação da nossa, a influência das
línguas, entre outras coisas. Por estas e outras razões, nos últimos anos vem
sendo realizados a introdução do ensino de Africa e afro-brasileiros nas escolas
o que nós chamamos de uma ação em prol
de uma afro educação, negada veementemente durante toda a história da nossa
educação, tanto por motivos ideológicos, como preconceitos e ignorância. Para a realização desse ensino é
preciso uma mudança de comportamento, romper com aquela visão tradicional e
falas do tipo “no meu tempo”. É preciso uma visão ampliada e plural que aponte
para as enormes contribuições do continente africano nas mais diversas áreas do
conhecimento, rompendo com a visão de que apenas os europeus trouxeram cultura e
conhecimento para o Brasil.
Do ponto de vista do ensino de
história, especificamente, desde 1988 a Constituição Federal trás significativas contribuições ao declarar que
o ensino de história deve obrigatoriamente levar em conta todas as diferentes
culturas e etnias que fizeram parte da
formação do povo brasileiro. É claro, que sempre há aqueles que querem – por
vários motivos – ignorar nossa miscigenação e afirmar nossa linhagem branca e
exclusivamente europeia. Obviamente uma grande bobagem.
A LDB de 1996, por sua vez
ratificou aa lei citando a três matrizes: a indígena, a africana e a europeia.
Em 1997 os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) trazem nos temas
transversais a questão da Pluralidade Cultural e já em 1999 se afirmou o debate
sobre a inclusão da história da cultura afro brasileira nas
salas de aula. É preciso reconhecer que foram os movimentos sociais,
organizações e universidades os sujeitos ativos dessas reinvindicações e
conquistas alcançadas. Todavia somente em 2003 foram assinados dois
instrumentos jurídicos importantes que tornaram o ensino história afro-brasileiro
obrigatório. Sim, parece absurdo criar uma lei que obrigue discutir e ensinar
algo tão fundamental em nossa história, no entanto, os caminhos de nossa
educação, explicam essa aparente incoerência. A Lei 10.639 (assim como a 4886 – PNPIR)
atendeu as demandas ligadas as políticas afirmativas que em síntese buscam
vender preconceitos e desigualdades raciais acumuladas historicamente. Essas
leis além de apontar a necessidade da ideia de pluralidade racial, escancarou
os problemas do campo educativo que
permitiu permanência e reprodução de
discriminações nos conteúdos e materiais
escolares.
Evidentemente tais questões geram
uma série de controvérsias e polemicas, ainda mais em tempos de novo Tribunal
da Inquisição renomeado e atualizado como Facebook. Todos independente da formação,
grau de conhecimento e profundidade sobre qualquer assunto pode opinar e mais
do que isso julgar e sentenciar, normalmente ao linchamento público e a morte.
São diversas alegações contrárias as leis, mas o fato é que essas leis são
fruto de um longo debate político-educacional e de séria atuação de grupos que
com sua luta constante e persistente num cenário quase sempre adverso
conseguiram transformar práticas estabelecidas há muito tempo. Não foi da noite
pro dia.
Por isso conceitos como a
interculturalidade é fundamental, pois pressupõe uma relação e interação entre
as diversas culturas, não apenas a existência
e a convivência que revela que somos sim uma sociedade multicultural.
Não dá pra negar o B – A BA básico: nossas matrizes são 3 e cada qual possui
suas especificidades em nossa formação. O índio (ou melhor ainda a s diversas
populações indígenas) é o NATIVO, ou seja, já estava aqui com sua cultura e
sociedade organizada. O Europeu chegou por vontade própria, dentro do contexto
do desenvolvimento do seu continente. E o africano por sua vez, foi obrigado a
vir, sem escolha e abandonado em outro continente. Os índios e africanos
portanto, apesar de suas diferenças – um é nativo e o outro imigrante forçado –
tiveram sua cultura atacada e precisaram se adaptar a nova realidade.
O dia 20 de novembro, Dia da Consciência
Negra é mais um momento de conquista e reflexão para trazer o debate à tona de muitas
questões que por vezes eram abafadas e silenciadas – como se não existissem. Este
dia é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A
data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares e
negar o dia 13 de maio, dia da Abolição pois muitos consideram que essa data –
como muitas outras no Brasil – retrata a passividade do negro diante da
liberdade alcançada pela generosidade da Princesa Isabel. De fato, a história
da Abolição é muito mais complexa do que eleger uma heroína branca e da monarquia
que escravizou os africanos por séculos no Brasil. Você reconhece a foto
abaixo?
É a Princesa Isabel e sua família, mas poucos a reconhecem.
Ela já foi representada das mais
diversas formas e a construção de uma imagem para servir ao interesse político
não é novidade.
Mas reflita quem de fato representa
melhor a causa dos negros?
Um assunto como esse tem milhares
de questões mas que aqui não é possível realizar plenamente, porém finalizo com
um exemplo pessoal e ilustrativo.
Quando lecionei numa escola da periferia de
São Paulo por volta de 2001/2002, numa comunidade que morava ao lado do lixão
em Perus, as meninas negras costumavam ficar pegando e alisando meu cabelo,
liso e loiro admiradas. Isso me incomodava muito. Além disso, era comum
aparecerem queimadas na testa – o que eu não entendia – até o dia que indaguei
o que era aquilo. A resposta: “é chapinha prô, às vezes queima, é que a gente
tem esse cabelo ruim não é igual ao seu”. Não preciso dizer como me senti, via
as crianças chamarem as outras de cabelo de Assolan (propaganda que colocava
crianças com cabelo de palha de aço em alusão ao outro produto, Bombril ) e
ainda tinha (e tem ainda) a Malhação com aquele padrão estético do que é ser
normal. Foi um duro trabalho para construir a auto estima e uma nova visão
sobre elas próprias.
Por isso quando me perguntam se é
preciso que exista um dia da Consciência Negra a resposta é clara: SIM, é
fundamental por que os negros foram destituídos do direito de existir,
trabalhar, se achar bonito, se entender nesse mundo por séculos. Nossa história
não pode ser apagada simplesmente por que estamos em outros tempos, como muitos
alegam. É preciso romper com mecanismos tradicionais de exclusão e infelizmente
estamos longe disso.
Por isso, viva
Zumbi, símbolo que é na luta que se conquista direitos!
O desafio atual é garantir a continuidade
e ampliação do debate e conquistas.
INDICAÇÃO:
Assista , use e abuse de um
documentário fabuloso chamado Olhos Azuis sobre uma experiência – workshop –
realizado por uma professora com crianças e depois com adultos. Arrepiante!
· (Texto sem revisão)
Nenhum comentário:
Postar um comentário