Na verdade, não
pretendo fazer nada muito original aqui. Tenho lido muita coisa boa e que são suficientes
para explicar e entender – o que for possível de explicar – sobre o atual contexto.
Portanto, pretendo pontuar algumas ideias e lembrar alguns fatos que são
importantes para o bom e velho debate. Infelizmente sem tempo para textos
longos e bem elaborados, optei por escrever em tópicos aquilo que acho
importante discutir.
Como sou historiadora,
meu olhar, como não podia deixar de ser é levando em conta as experiências
históricas da sociedade humana até aqui em relação os tempo histórico. Deixo as
análises conceituais ou economicistas para outros mais e melhor preparados para
tal tarefa.
Deitados
em berço esplendido: ainda bem que o “nunca” e o para “sempre” não existem
Nossa classe política e
burguesia se assustaram na última semana. Fazia tempo que algo dessa expressão
não acontecia em nosso país. Tendo acontecido apenas em momentos de grande
tensão política, como nos exemplos bastante lembrados do impedimento de Collor
e as Diretas Já. No entanto, sem uma motivação tão expressiva como estas o Brasil foi tomado por uma onda de
protestos que somada as principais cidades falou-se em números como de mais de 1 milhão de pessoas nas ruas num mesmo
dia. Fato é que as recorrentes falas sobre como o brasileiro genericamente é
preguiçoso, pacato, receptivo e hospitaleiro, normalmente revela a ideia de que
é subserviente. Sempre. E sempre, ou nunca, na história não existe. Vivemos em
constante transformação década a década, século a século, o mundo se transforma
de acordo com contextos e heranças deixadas pelo passado.
Dessa forma, achar que nunca ocorrerá mudança, nunca ocorrerá uma
transformação de fato ou que as coisas “sempre” serão assim, é típico do ser
humano que vive muito pouco historicamente. A história, ou melhor, um processo
histórico é feito de séculos, muitos séculos, e nós vivemos em média o que? 60,
70, 90 anos? Vemos uma fração mínima da história e a impressão nesses poucos
anos é que as coisas não mudam. Mas pare e pense nas alterações do mundo, e nem
precisa ir mais do que dois séculos. Verá que a terra não para de girar, apesar
de Raul Seixas afirmar ao contrário.
Contexto Histórico: é bom lembrar...
Só para constar é importante lembrar aos esquecidos que desde 2008
estamos mergulhados numa intensa crise mundial que começou, assim como a crise
de 1929, no país que rege o capitalismo mundial, os EUA. Fato é que estamos num
momento sensacional da história. Após a 2ª Guerra Mundial, o maior efeito
sentido foi a chamada bipolarização do mundo, a Guerra Fria era sentida em
todos os lugares, os filmes hollywoodianos sobre os espiões russos perversos, o
telefone vermelho e o medo da 3ª Guerra Mundial. Com a queda do muro de Berlim
e o fim da URSS, se vendeu com muita facilidade o “fim da história” (ler F.
Fukuyama) e a vitória do capitalismo. Dessa forma, o fim da guerra fria, a
vitória do mundo do mercado, do consumo desenfreado, de novas relações econômicas
aliadas ao grande avanço tecnológico pós-guerra. Surge uma geração que não tem
medo da 3ª guerra e nem sabe o que é o telefone vermelho. Eis que mal entramos
no novo século tão aguardado e festejado nos filmes de ficção, o século XXI, e
a história nos lembra que processos históricos não são determinados pela
vontade humana. Os atentados de 11 de setembro de 2001 nos forçam lembrar que
ações, treinamentos militares, relações de poder e força durante a guerra fria,
não tinham ficado no passado, ou melhor, que as heranças do passado sempre
assombram. Além disso, a crise econômica de 2008 também nos lembrou que o capitalismo
tem contradições endógenas, impossíveis de se resolver, e que não era preciso
causar a crise. Comunistas, anarquistas e subversivos de todos os tipos estão
isentos de culpa: nunca fizeram nada para atrapalhar o doce caminho do capital.
O contrário já não vale, os países capitalistas se valem de todas as armas para
conter os avanços das ideias opostas; Embargos econômicos são só a ponta de
lança.
Enfim, 84 anos após a crise da bolsa de New York, 68 anos do fim da 2ª
GM, 24 anos da queda do Muro, 12 anos após o 11/9 e 5 apenas do início da nova
crise, percebemos que são muitos os desdobramentos desses fatos que já ocorreram
e muito que ainda estão por vir.
E no Brasil...
Além de tudo isso, no cenário interno, no século XX tivemos duas
ditaduras (completamente diferentes), breves experiências democráticas, morte
de presidente, vices no poder, impedimento de presidente aventureiro com amplo
apoio da mídia, implementação do modelo Reagan-Thatcher neoliberal, eleição do
partido nascido das forças trabalhadoras do país e a transformação do mesmo.
Não é preciso mais para perceber que essa sociedade ainda está longe de
consolidar a democracia, mesmo essa que tanto se falou nos últimos tempos sem
ao certo saber exatamente o que é. O mais impressionante é diante de um cenário
tão heterogêneo de protestos, reivindicações e manifestações de todas as ordens,
foi possível até ouvir clamores para o restabelecimento da ditadura limitar
nos país. Como diria a Profª Dra. Maria Aparecida de Aquino (História-USP) o fim da
ditadura no Brasil sem ruptura e trauma permitiu a existência de uma “MEMÓRIA POSITIVA DA DITADURA”. Não é difícil
encontrar as falas: "não foi tão ruim", "era melhor que agora", "só era ruim para os
baderneiros", "ao menos tinha mais"...
É nesse cenário múltiplo, produto do tempo histórico mais recente (o
século XX) é que devemos entender os protestos. Fora do contexto fica
impossível e distorcido. Além disso, ninguém da palpite no diagnóstico do médico, ou do tratamento do dentista, ou nos cálculos do engenheiro, mas falar sobre os acontecimentos políticos e sociais todos podem, padeiros, jardineiros, jornalistas. Qualquer senso comum vira expert nessas horas...é bom filtrar.
Quem protestou contra, a favor ou muito pelo
contrário?
Grande nó dessa questão – não pode ser aqui desenvolvido – isso por que
uma análise superficial pode levar a distorções graves: o problema das classes
sociais e atores envolvidos. Muito se falou já sobre isso, e li textos
realmente muito bons na tentativa de entender essa questão.
Aqui posso dizer que minha percepção é de que pudemos encontrar todos os
sujeitos históricos nas ruas, em grande parte a camada branca, de classe média
urbana é que levou vantagem numérica. Minha primeira pergunta logo no início
das eventos era: será que a periferia vai se levantar? (minha reação como a de
todos no príncipio de tudo era ainda de surpresa e dúvidas de todas as ordens)
Resposta: Não, a massa populacional,
a classe trabalhadora, o grosso rebanho de pobres desse país não compareceu,
com exceção de algumas manifestações isoladas em bairros, viadutos e pneus
queimados em rodovias. Por que se tivessem – estaríamos discutindo outras
questões agora. Para a burguesia e classe média: UFA! Foram no limite
permitido, onde dá pra controlar a turba,
e quando passou um pouco do ponto, o termo usado era “a minoria baderneira”. Tem
um conceito que é bom lembrar, chama RAIVA
CONTIDA. Exploração, miséria, abusos de todos os tipos gera raiva contida.
Vemos isso explodir todos os dias na ação de muitos indivíduos. Mas quando é
raiva contida das massas...é imprevisível.
A questão das classes envolvidas nos leva a próxima questão...
De quem é a bandeira?
Outro assunto também demasiado discutido. Falar em movimento sem
partido, sem bandeira, expulsar ou proibir as siglas partidárias de levantar
suas bandeiras e seguir junto nas manifestações. Desculpe cair na obviedade, mas
é muito contraditório que uma manifestação que fez o uso indiscriminado do
termo “democracia”, proíba o outro em virtude de suas crenças, ideologias ou reivindicações. Confesso cheguei a achar um
pouco injusto com aquela juventude engajada nos partidos de esquerda, em que
pese todas as minhas críticas a eles (e são muitas), quando vou as ruas – e olho
que frequento as ruas faz um bom tempo, seja no 8 de março, na luta pelos
direitos da mulher e seu corpo, seja pelos direitos dos negros, dos índios, das
cotas, contra corrupção, a favor dos povos sem terra, sem moradia, sem
comida...esses meninos estão sempre lá, marcam presença, atuam, gritam,
incomodam. E agora quando as pessoas vão as ruas, muitos pela primeira vez (e
outros muitos talvez pela única vez) eles são hostilizados como indesejáveis???
Eles sempre estão lá e tem o direito de estar.
Além disso, notei outra injustiça (se é que podemos chamar assim) nas manifestações
de caráter urbano e jovial das últimas semanas: o uso a expressão o Gigante
acordou. (***me chama atenção que os dois grandes slogans dos protestos não
foram palavras de ordem comumente usados em manifestações, e sim slogans de
duas propagandas de produtos, “Vem pra
rua” da Fiat e o “Gigante Adormecido” da Johnnie Walker). Há muito tempo professores
vem saindo às ruas para lutar por melhores condições para alunos e professores
e melhor educação para todos, organizações e movimentos sociais travam há anos
uma luta contra a exploração, contra o latifúndio, contra a opressão. Nas ruas,
em greves, em ocupações, fechando rodovias com pneus queimados a cada morte,
resistindo em cada reintegração de posse dada pela justiça brasileira, em
guerrilhas, aqui e na América Latina. Dizer que agora acordou é ofensivo contra
aqueles que nunca deixaram de lutar. Pode ser que quem tenha acordado é aquele
que nunca foi as ruas, e talvez nunca mais volte...
Na democracia burguesa, essa que muitos defenderam e não sabem o que é (
por que talvez se soubessem não defenderiam...) ainda não tem outro sistema
democrático sem partidos. É por isso que nos regimes ditatoriais e totalitários
os partidos desaparecem. Muitos beiraram o fascismo em seu comportamento e
palavras de ordem...até mesmo sem saber.
Contra o que? Tudo e mais um pouco...
Como já falei a raiva contida gera movimentos incontroláveis, e nos caso
da história muitos (muitos) exemplos fascinantes. Para citar um, entre os meus
processos revolucionários favoritos, a COMUNA
DE PARIS. Em 1871 se estabeleceu um cerco de 72 dias em Paris, “um assalto aos
céus” (Marx), nasceu do contexto e da vontade espontânea de um povo castigado
pelas classes dominantes.
Aqui o que se viu foi uma enorme quantidade de reivindicações: Abaixo os
0,20 centavos! Fora Dilma! Fora Feliciano! Contra a PEC 37! E assim por
diante... Qual a bandeira verdadeira? A classe média e a direita roubaram as
verdadeiras intensões dos protestos? Não. Estavam todos nas ruas, contraditoriamente
e com o direito de estar. O problema é que a ausência de uma direção, partidos
de esquerda revolucionários com projeto
e proposta a direita não costuma perder o bonde. Cito o grande José Chasin para
explicar a ideia:
“É sempre uma lástima, humanamente penosa, perder oportunidades
históricas. Mas, do que tem sido feita a crônica da esquerda no Brasil?
Ou é mais justo perguntar no mundo? QUANDO A ESQUERDA NÃO RASGA
HORIZONTES, NEM INFUNDE ESPERANÇAS, A DIREITA OCUPA ESPAÇO E DRAGA AS
PERSPECTIVAS:
é então que a barbárie se transforma em tragédia humana cotidiana”
Por isso é bom ter cuidado sim com essa ultradireita que saiu às ruas
aproveitando o clamor. Tragédias históricas como a ascensão do nazismo vêm de
oportunidades assim. A mídia nitidamente dirigiu as intenções, os caminhos a as
demandas ao final. Fez uma brusca mudança de tom que até o mais ingênuo e
alienado telespectador percebeu a guinada no discurso. A Globo soube usar, como
sempre sabe, as manifestações a seu favor. Escolheu o termo baderneiros mais do
que arruaceiros, vândalos, marginais. Baderna é tudo que a burguesia não quer.
O caos não é bom por que não é controlável. Não é só por que no caos esses grupos
com RAIVA CONTIDA estraçalha
vitrines, sai com TVs de LCD nas mãos e depreda a propriedade alheia. É por que
nos caos o Estado corre perigo. Revoluções se dão em meio aos caos.
Daí que meu sinal vermelho acendeu quando alguns “amigos” do FACE (reacionários,
de direita, conservadores de todos os tipos até os alienados que não sabem que
são) - bem no começo das manifestações ainda incipientes estavam apoiando. Mal
sinal, pensei eu. Por que este sujeito apoia? Resposta rápida por que os
protestos não tinham formato revolucionário, e sim um caráter no máximo
reformista, dentro da ordem já estabelecida. Cada classe busca defender seus
interesses, e a classe média como não se entende como classe trabalhadora e
almeja historicamente os privilégios burgueses, defende os interesses da classe
dominante.
Revolução? Não.
Os cartazes em parte pareciam posts do FACE. Alguns prontos para serem
clicados e postados. Achei alguns geniais, como: “SUAS CRENÇAS NÃO CABEM NO MEU
ÚTERO” ou “SOU PSICÓLOGO E NÃO APRENDI A CURAR AMOR”. Mas o fato é que não
podemos ser otimistas demais. Seria ingênuo pensar que nossa sociedade mudou.
Ela é conservadora e reacionária na essência a maioria é a favor da pena de
morte, defende o capitalismo com unhas e dentes, conseguem ver comunismo até
num buque de flores vermelhas, é contra o casamento gay, não acha que a mulher
deva decidir sobre seu próprio corpo, acham que 111 mortos no Carandiru foi
pouco...
Infelizmente por alienação ou por que acreditam mesmo essa é nossa
realidade.
O pior de tudo isso: não foi um levante contra o que realmente nós temos
de pior que é a burguesia enquanto classe exploradora. Foi contra a política.
Cansados dos abusos, escândalos e corrpção sim. Mas também levados por uma
campanha da mídia que dia a dia passa a mensagem para as pessoas de que a
política é algo ruim, podre e lugar só de gente sem escrúpulos. Isso
propositalmente, pois afasta as massas da vida política, e portanto deixa o
caminho livre para que a esfera política que comanda nossas vidas seja ocupada
pela burguesia e seus interesses. Contra isso eu queria ver cartazes. Esse patriotismo
de defesa de outros valores é que me interessa. (e não aquela horda de
bandeiras e símbolos que não nos representa de fato, antes de defender a ideia
positivista do século XIX Ordem e Progresso, é bom saber o significado.)
A CORRUPÇÃO, foco da raiva
dos manifestantes já nos ENSINOU LENIN, nasce da união dos monopólios e
governos, ou seja, OS DONOS DOS MEIOS DE PRODUÇÃO, OS PROPRIETARIOS DAS GRANDES
CORPORAÇÕES SÃO AS MESMAS PESSOAS QUE ASSUMEM OS CARGOS E QUADROS DO ESTADO – estes
são os nossos representantes! Todo mundo defende a tal democracia burguesa. O
direito a voto é a coisa mais comemorada. Mas é bom lembrar que o canalha da
pior espécie Luís Bonaparte em 1848 foi eleito presidente da república na
França com mais de 5 milhões de votos (maioria esmagadora, assim como o inqualificável
Fernando Collor no Brasil. Vale pensar!
Enfim, não sabemos que tipo de evolução ou consequências esse processo
trará, afinal analisamos fatos históricos e não adivinhações mágicas. A
história não advinha, não dá prever, “o
que ela pode fazer é descobrir os padrões e mecanismos da mudança histórica em
geral, e mais particularmente das transformações das sociedades humanas”.
EU AINDA FICO COM O SUBCOMANDANTE MARCOS: “A humanidade vive no peito de todos
nós e, como o coração, prefere o lado esquerdo. Devemos encontrá-la, temos de
nos encontrar. Não é preciso conquistar o mundo. Basta fazê-lo de novo. Nós. Hoje.”
ASSIM COMO O CORAÇÃO EU ESCOLHO O LADO ESQUERDO.
Um abraço.
Lilian Marta Grisolio Mendes
*** Texto sem revisão.
Obrigada pelo texto que eu tanto pedi.
ResponderExcluirE obrigada por levantar essa questão da RAIVA CONTIDA, era algo que eu vinha comentando com alguns amigos.