domingo, 7 de julho de 2013

COMO TRATAMOS NOSSO PATRIMÔNIO HISTÓRICO?


Ontem à noite, sábado 06 de julho, um incêndio atingiu pelo menos três, das quatro fachadas do tradicional Mercado Público de Porto Alegre construído no século XIX (1869). Em acontecimentos assim, não raros no país, costumo lembrar de um trabalho sensacional do pesquisador Antonio Albino Canelas Rubim intitulado de Políticas culturais no Brasil: tristes tradições. Ele começa o texto categoricamente: “A HISTÓRIA DAS POLÍTICAS CULTURAIS DO ESTADO NACIONAL BRASILEIRO PODE SER CONDENSADA PELO ACIONAMENTO DE EXPRESSÕES COMO: AUSÊNCIA, AUTORITARISMO E INSTABILIDADE”. Este caso de POA é apenas mais um descaso e prova de como o Brasil trata seu patrimônio.
Nas viagens que fiz à Europa, meu olhar de historiadora não permitia andar pelos lugares como simples turista deslumbrada com a riqueza e beleza, mesmo por que não dá pra andar pelos museus, igrejas e monumentos sem lembrar que toda aquela opulência foi à base da colonização e exploração das colônias a partir do século XV na América e África e Ásia nos séculos XIX. Mas não dá pra negar ou deixar de perceber a relação que se estabelece com os patrimônios culturais e históricos. Invejável. Conservação, preservação da memória coletiva e respeito ao passado. Tudo que aqui ainda não construímos.
O fogo podia ter sido evitado? Segundo denúncia do jornal Metro Porto Alegre do dia 3 de junho (pouco mais de um mês atrás):

“Com a vistoria dos extintores vencida há dez meses, o Mercado Público de Porto Alegre ainda não tem Plano de Prevenção Contra Incêndio. As milhares de pessoas que circulam no centro comercial mais famoso da capital permanecem protegidas por aparelhos sem funcionamento assegurado pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia). No dia 23 de abril deste ano a prefeitura assinou um contrato que dispensou licitação e contratou a Estinsul Equipamentos de Prevenção Contra Incêndio para realizar o trabalho de manutenção dos extintores”.

Um dos prédios públicos mais importantes da cidade de Porto Alegre, do ano de 1869 e que recebe milhares de pessoas não tem plano de prevenção, tem extintores vencidos e sabe-se lá quanto tempo não tem uma reforma e cuidado adequado?
Eu, particularmente fiquei triste com a notícia. Quando vou à POA nunca deixo de ir a Mercadão. Para comprar minhas cascas de laranjas cristalizadas (não existe igual!), azeitonas e vinho. Ver as manifestações culturais na frente do Mercadão é uma experiência deliciosa. Não me esqueço da última vez quando um grupo de teatro de rua encenava uma cena de protestos ao som do hino da Internacional Comunista. Tenho boas lembranças. E ruins também.
No ano de 2007, para ser exata: um friorento mês de julho também. Em visita a cidade para participar da ANPUH daquele ano, estava eu com meus amigos e meu mestre, Dr. Antonio Pedro Tota, comendo segundo ele “o melhor peixe do Sul” no tradicional Gambrinos dentro do Mercadão, quando recebi a notícia que o avião da TAM havia explodido em SP e não se tinha conhecimento de sobreviventes. Quase 200 mortos. Uma lástima. Detalhe mórbido: meu irmão que mora em POA estava a caminho de SP num voo no mesmo horário para São Paulo. Lá se foi o peixe todo embora... nada mais parava no estômago até vir a notícia que ele estava no voo de outra companhia. O Tota, que voltaria naquele dia de avião, também ficou em estado de choque, assim como toda a cidade.

Depois desse julho, retornar ao Mercadão era sempre reviver aqueles momentos de morte e renascimento. Um fato histórico em nossas vidas. Agora, julho ficará também marcado por outra tragédia: a falta de senso de cuidado e preservação das nossas memórias, boas e ruins!

Um comentário:

  1. É Lilian, a inexistência da memória coletiva é um grande buraco no peito dessa sociedade.
    Adorei o texto e adorei saber que nos meus poucos passos pela Europa nosso pensamento é o mesmo.
    Saudades

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