Ontem à
noite, sábado 06 de julho, um incêndio atingiu pelo menos três, das quatro
fachadas do tradicional Mercado Público de Porto Alegre construído no século
XIX (1869). Em acontecimentos assim, não raros no país, costumo lembrar de um
trabalho sensacional do pesquisador Antonio Albino Canelas Rubim intitulado de Políticas culturais no Brasil: tristes
tradições. Ele começa o texto categoricamente: “A HISTÓRIA DAS POLÍTICAS
CULTURAIS DO ESTADO NACIONAL BRASILEIRO PODE SER CONDENSADA PELO ACIONAMENTO DE
EXPRESSÕES COMO: AUSÊNCIA, AUTORITARISMO E INSTABILIDADE”. Este caso de POA é
apenas mais um descaso e prova de como o Brasil trata seu patrimônio.
Nas viagens
que fiz à Europa, meu olhar de historiadora não permitia andar pelos lugares
como simples turista deslumbrada com a riqueza e beleza, mesmo por que não dá
pra andar pelos museus, igrejas e monumentos sem lembrar que toda aquela opulência
foi à base da colonização e exploração das colônias a partir do século XV na América
e África e Ásia nos séculos XIX. Mas não dá pra negar ou deixar de perceber a relação
que se estabelece com os patrimônios culturais e históricos. Invejável. Conservação,
preservação da memória coletiva e respeito ao passado. Tudo que aqui ainda não
construímos.
O fogo
podia ter sido evitado? Segundo denúncia do jornal Metro Porto Alegre do dia 3 de junho (pouco mais de um mês atrás):
“Com a vistoria dos extintores vencida
há dez meses, o Mercado Público de Porto Alegre ainda não tem Plano de
Prevenção Contra Incêndio. As milhares de pessoas que circulam no centro
comercial mais famoso da capital permanecem protegidas por aparelhos sem
funcionamento assegurado pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia). No dia 23 de abril deste ano a prefeitura assinou um
contrato que dispensou licitação e contratou a Estinsul Equipamentos de
Prevenção Contra Incêndio para realizar o trabalho de manutenção dos extintores”.
Um dos
prédios públicos mais importantes da cidade de Porto Alegre, do ano de 1869 e
que recebe milhares de pessoas não tem plano de prevenção, tem extintores
vencidos e sabe-se lá quanto tempo não tem uma reforma e cuidado adequado?
Eu,
particularmente fiquei triste com a notícia. Quando vou à POA nunca deixo de ir
a Mercadão. Para comprar minhas cascas de laranjas cristalizadas (não existe
igual!), azeitonas e vinho. Ver as manifestações culturais na frente do
Mercadão é uma experiência deliciosa. Não me esqueço da última vez quando um
grupo de teatro de rua encenava uma cena de protestos ao som do hino da
Internacional Comunista. Tenho boas lembranças. E ruins também.
No ano de
2007, para ser exata: um friorento mês de julho também. Em visita a cidade para
participar da ANPUH daquele ano, estava eu com meus amigos e meu mestre, Dr. Antonio Pedro Tota, comendo segundo
ele “o melhor peixe do Sul” no tradicional Gambrinos
dentro do Mercadão, quando recebi a notícia que o avião da TAM havia explodido
em SP e não se tinha conhecimento de sobreviventes. Quase 200 mortos. Uma
lástima. Detalhe mórbido: meu irmão que mora em POA estava a caminho de SP num voo no
mesmo horário para São Paulo. Lá se foi o peixe todo embora... nada mais parava
no estômago até vir a notícia que ele estava no voo de outra companhia. O Tota,
que voltaria naquele dia de avião, também ficou em estado de choque, assim como
toda a cidade.
Depois
desse julho, retornar ao Mercadão era sempre reviver aqueles momentos de morte
e renascimento. Um fato histórico em nossas vidas. Agora, julho ficará também marcado
por outra tragédia: a falta de senso de cuidado e preservação das nossas
memórias, boas e ruins!
É Lilian, a inexistência da memória coletiva é um grande buraco no peito dessa sociedade.
ResponderExcluirAdorei o texto e adorei saber que nos meus poucos passos pela Europa nosso pensamento é o mesmo.
Saudades