Braços Abertos aos Médicos
Cubanos!
|
Escrito por Mário Maestri,
|
Quarta, 28 de Agosto de 2013
|
A insurreição de associações profissionais e de milhares de
médicos e estudantes de medicina contra a chegada dos colegas cubanos tem
registrado despudoradamente o abismal nível de desumanização produzido pela
mercantilização da saúde no Brasil. Os milhões de brasileiros desassistidos
surgem como referências imateriais na retórica cínica que defende qualidade
do serviço médico que a população brasileira desconhece, seja na área pública
e, comumente, igualmente na privada.
No frigir dos ovos, defendem apenas a restrição do número
de médicos, em prol da manipulação safada das leis do livre-mercado. Com
menos médicos, melhores negócios! E a população que se lixe! Sob a escusa da
excelência da formação e das prestações médicas, defendia-se, ontem, a
restrição do número de universidades de medicina e, hoje, o monopólio
corporativo do ato médico e o embargo à chegada de profissionais do
exterior, com destaque para os cubanos, socialistas e, horror dos horrores,
não poucos negros!
Que venham aos milhares!
Que venham os médicos cubanos, às dezenas de milhares!
Mesmo que cheguem apenas para tapar os buracos da incúria governamental
quanto à saúde pública, mais e mais encurralada no balcão de negócios da
medicina privada. Mercantilização da saúde popular aplaudida pela indústria
hospitalar, de medicamentos e de planos de saúde; por associações de classes;
pelos milhares de profissionais privilegiados – ou apenas seduzidos – por
profissão transformada em meio de enriquecimento sem limites.
Que dezenas de milhares de médicos cubanos sejam
distribuídas pelos ermos perdidos dos extremos sociais e geográficos do nosso
país! Que povoem o interior distante do Acre ou a periferia próxima de São
Paulo, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre e de Salvador. Ainda que tais
colocações penosas devessem ser momento transitório – e profissionalmente
enriquecedor – de carreira médica público-estatal. Não é isso que fazem os
concursados do Banco do Brasil e os membros da forças militares, sem “choro e
ranger de dentes”?
Entre os médicos cubanos chegará algum incompetente, como
propõem denúncias literalmente histéricas? Certamente. E quem de nós já não
se encontrou com profissionais ineptos, mesmo nos consultórios e hospitais
privados de nossas mais adiantadas capitais? Sem que haja meios de afastá-los
de uma profissão para a qual não se qualificaram técnica ou moralmente. Ao
contrário do que ocorrerá no caso dos médicos visitantes. Qualquer erro que
fizerem terminará com enorme destaque na telinha da rede Globo e nas páginas
da Folha de São Paulo, Estadão, Zero Hora et caterva.
Meros Paliativos
Acusam-se os médicos cubanos de serem paliativos para
situação calamitosa e meios de publicidade política de governo que persegue
desesperadamente a avaliação positiva perdida. No que não estão errados. Ao
igual que as administrações anteriores, lulistas e pré-petistas, Dilma
Rousseff apostou na medicina mercantil, nos planos de saúde, no financiamento
privado dos cuidados médicos por população brasileira transferida maciçamente
por decreto para a classe média! E teve como resposta a reivindicação por
saúde e educação pública e gratuita de multidões enraivecidas que sequer
conseguem pagar 3,20 reais por passagem de ônibus urbano! Engrossadas por
aqueles que conseguem pagar a passagem mas são depenados pela medicina e pela
educação privada!
Entretanto, não é menos certo que os médicos cubanos e
estrangeiros salvarão a vida e mitigarão as penas urgentes de milhões de
desassistidos, mesmo quando eventualmente não dispuserem das instalações
condizentes, como também denunciado. Instalações que certamente serão por eles
reivindicadas. Tudo isso enquanto se discute, produtiva ou improdutivamente,
com boas intenções ou malevolamente, sobre as soluções estruturais futuras,
de longo fôlego.
Os médicos estrangeiros enviados para os cafundós sociais
e geográficos do Brasil atenderão brasileiros desconhecedores de serviços
médicos mínimos, aos quais têm direito constitucional. Ampliarão a
consciência desses brasileiros sobre o valor e a necessária luta por serviço
público universal de qualidade. Certamente outros dois motivos da oposição
visceral da indústria, de associações e de profissionais da saúde que se
locupletam com sua mercantilização.
Por tudo isso e por muito mais, os médicos cubanos – e de
outras nacionalidades – devem ser recebidos com festa, com fogos de artifício
e braços abertos! Mas atenção. Nosso abraço deve ser o da população
agradecida e não o do urso aproveitador!
Em Defesa dos Médicos Cubanos
Os médicos cubanos não são mercenários da medicina,
apenas preocupados com a remuneração material. Não são igualmente missionários
que se alimentam de princípios morais e políticos – se é que existe tal
gente. São trabalhadores especializados que exercerão suas atividades no
Brasil. Portanto, encontram-se necessariamente submetidos e protegidos pelas
leis trabalhistas nacionais – mesmo que elas sejam pernetas e limitadas.
Os cubanos devem receber a mesma remuneração que os
demais estrangeiros. É reivindicação dos trabalhadores, consagrada pela
legislação atual, que ao “mesmo trabalho” cabe a “mesma remuneração”. Não
importando as diferenças de sexo, raça, idade e nacionalidade. Nenhum
casuísmo justifica o desrespeito desse princípio. Pouco importa o que recebem
seus companheiros em Cuba, já que eles viverão e trabalharão no Brasil, e não
na ilha do Caribe. Aos médicos cubanos cabe a bolsa de dez mil reais, paga
diretamente pelo governo brasileiro.
Se aceitarmos o princípio da missão estrangeira,
teríamos que concordar com que governos africanos enviassem trabalhadores contratados,
recebendo por eles seus salários das autoridades brasileiras, e pagando-os
abaixo do estipulado pela legislação nacional. Não impugna a terrível
analogia o fato de que ela tenha sido proposta por interessados em sabotar a
vinda dos médicos cubanos, e não em defender seus direitos.
Nada de bantustão!
Os médicos cubanos têm o direito inarredável de trazer
consigo seus cônjuges e filhos menores, como todo estrangeiro com contrato de
trabalho no Brasil. Tal impedimento permite outra lembrança terrível. Para
manter o controle político-econômico, o apartheid construiu os bantustões,
pseudo-micro-estados negros, de onde os trabalhadores partiam
temporariamente para prestarem serviços nas minas da África do Sul,
sem poderem levar consigo as famílias. O que dificultava a radicação na
África do Sul e facilitava a manutenção da relação semi-servil.
Não podemos também negar o direito de permanecer no
Brasil aos médicos cubanos que assim o quiserem, por razões afetivas e,
sobretudo, econômicas. Ser radical é ir à raiz da questão, e não transformar
sonhos e fantasias em realidade. Com a crescente restauração capitalista em
Cuba, os trabalhadores ligados à esfera pública conhecem remunerações
miseráveis, enquanto prosperam os que conseguem se incorporar à esfera
mercantil que canibaliza a economia nacionalizada. A expatriação interessa
também aos médicos cubanos pela remuneração em moeda forte, impossível de ser
realizada em Cuba no serviço público. [Maestri, Mário. “Cuba sob o signo da
restauração capitalista”. www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5296.
Mas é igualmente indiscutível o direito do Estado cubano
de ser remunerado pelos médicos que formou, enquanto trabalham no Brasil, ou caso
queiram aqui permanecer. Qualquer coisa diversa seria explorar a esfera
pública da sociedade cubana. Essa indenização deve recair totalmente sobre o
Estado brasileiro, que se negou a financiar a formação dos trabalhadores da
saúde que necessitamos dramaticamente. E não sobre os médicos cubanos.
Em Defesa de Cuba Socialista
É inadmissível o desfrute por qualquer aparato
governamental da força de trabalho dos médicos cubanos que devem chegar aos
borbotões para ajudarem a suprir as necessidades dramáticas de nossa
população.
Apenas o respeito estrito dos direitos civis e
trabalhistas mínimos dos médicos cubanos permitirá que essa contribuição
inestimável se dê nas melhores condições. E não resulte em todo tipo de
constrangimento e aproveitamento por aqueles que se mobilizam para levar tal
iniciativa ao fracasso.
O imperialismo estadunidense já tem programa consolidado
para fomentar deserção mercenária de médicos e profissionais especializados
cubanos no exterior, através de suas embaixadas e consulados. O que constitui
uma agressão à economia socialista da ilha, em contínua retração, sob a
retórica estadunidense de solidariedade contra a opressão comunista.
Apenas visão progressista tacanha não compreende
que também a defesa de Cuba socialista – e do que representou e ainda
representa – passa inarredavelmente pela defesa solidária dos direitos de
seus médicos no exterior.
|
Mário Maestri
Nenhum comentário:
Postar um comentário