domingo, 8 de dezembro de 2013

Mandela: só para constar...

Só para constar: estou com dor de estomago e enojada com tanta hipocrisia. Ao menos os conservadores direitosas podiam se calar. Simplesmente se fingir de morto em relação à morte de Mandela. Seria mais digno e coerente. Mas olha eu aqui pedido coerência para essa gente. Que incoerência.

Mas vale a pena marcar posição. Enquanto a Guerra Fria corria solta, enquanto o ocidente e os principais países capitalistas faziam vistas grossas ao que acontecia na África do Sul. O racismo exposto,  o apartheid agora tão execrado por todos era prática muito bem vista pelos países imperialistas. Vale lembrar que a prisão de Mandela em 1962, depois de meses numa vida clandestina, foi  graças ao trabalho da maior agencia de  serviços secretos do mundo, a CIA em cooperação com o governo de Pretoria. Pior, vale lembrar também, que ele foi mantido na lista de membros de organizações terroristas até o dia 1 de janeiro de 2008.

Os maiores países imperialistas, à saber, Estados Unidos, França e Grã-Bretanha foram sempre  aliados do governo do sul africano no que diz respeito ao vergonhoso sistema do Apartheid, e  apoiaram até o último momento. MANDELA FICOU QUASE 30 ANOS PRESO! Não sejamos ingênuos quanto este apoio e reconhecimento que já algum tempo paira sobre seu nome.

Mandela sempre foi crítico. Em relação ao ignóbil governo Bush ele foi categórico:
“Estamos profundamente preocupados com a atitude que a  administração Bush adotou sobre esse assunto. Este foi um dos poucos governos que esteve em contato habitual conosco para examinar a questão das sanções e lhe fizemos ver claramente que eliminar as sanções seria prematuro. No entanto, essa administração, sem nem nos consultar, simplesmente nos informou que as sanções estadunidenses seriam anuladas. Consideramos isso totalmente inaceitável.”

E não foi a Londres ou Washington primeiro. Foi a Argélia e Cuba. Cuba que sempre o apoiou e recebeu dele o retorno por isso. Assim, ver a exaltação sobre ele, sua morte, o lamento dos grandes líderes do Ocidente é ver bem de perto como funciona o uso de um nome em prol de sua causa. E pior, distorcer e usurpar uma luta da qual vc está do outro lado.


Mandela não foi santo. Nem o Che. A mania da mídia em santificar e criar mitos destrói o personagem histórico, real e cheio de contradições.  Mas o que importa isto frente ao importante papel que estes homens tiveram para nossa sociedade racista e tão atrasada no que diz respeito às relações e a diversidade humana. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

PRA QUE UM DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA? RACISMO, ALIENAÇÃO E O DISCURSO DO SENSO COMUM

Um mundo mais plural pressupõe transformações e novas práticas. Uma temática fundamental nessa direção de rever o passado e superar ranços e erros históricos cometidos pela humanidade é a questão que envolve a população negra em nosso país. Para ser objetiva partirei da questão mais essencial: por que devemos ensinar  e aprender sobre a história da África a e sobre  os afro-brasileiros?

Poderíamos responde com outra pergunta: por que estudamos toda a história da Europa e dos EUA? Mas a resposta reside na visão estereotipada e reproduzida por décadas sobre aquele continente. Se indagarmos as pessoas sobre questões relativas a África e seu povo, percebemos o total desconhecimento que contrasta com o grande conhecimento que temos sobre feudalismo, revolução francesa ou qualquer guerra mundial.

Vale começar destacando as similitudes que aproxima nosso pais daquele continente, à saber, nossa proximidade climática, a diversidade ambiental, cultural e religiosa, a presença marcante daquela cultura na formação da nossa, a influência das línguas, entre outras coisas. Por estas e outras razões, nos últimos anos vem sendo realizados a introdução do ensino de Africa e afro-brasileiros nas escolas o que nós chamamos de  uma ação em prol de uma afro educação, negada veementemente durante toda a história da nossa educação, tanto por motivos ideológicos, como preconceitos e ignorância. Para a realização desse ensino é preciso uma mudança de comportamento, romper com aquela visão tradicional e falas do tipo “no meu tempo”. É preciso uma visão ampliada e plural que aponte para as enormes contribuições do continente africano nas mais diversas áreas do conhecimento, rompendo com a visão de que apenas os europeus trouxeram cultura e conhecimento para o Brasil.

Do ponto de vista do ensino de história, especificamente, desde 1988 a Constituição Federal trás  significativas contribuições ao declarar que o ensino de história deve obrigatoriamente levar em conta todas as diferentes culturas e etnias  que fizeram parte da formação do povo brasileiro. É claro, que sempre há aqueles que querem – por vários motivos – ignorar nossa miscigenação e afirmar nossa linhagem branca e exclusivamente europeia. Obviamente uma grande bobagem.

A LDB de 1996, por sua vez ratificou aa lei citando a três matrizes: a indígena, a africana e a europeia. Em 1997 os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) trazem nos temas transversais a questão da Pluralidade Cultural e já em 1999 se afirmou o debate sobre a inclusão da história da cultura afro brasileira   nas salas de aula. É preciso reconhecer que foram os movimentos sociais, organizações e universidades os sujeitos ativos dessas reinvindicações e conquistas alcançadas. Todavia somente em 2003 foram assinados dois instrumentos jurídicos importantes que tornaram o ensino história afro-brasileiro obrigatório. Sim, parece absurdo criar uma lei que obrigue discutir e ensinar algo tão fundamental em nossa história, no entanto, os caminhos de nossa educação, explicam essa aparente incoerência.  A Lei 10.639 (assim como a 4886 – PNPIR) atendeu as demandas ligadas as políticas afirmativas que em síntese buscam vender preconceitos e desigualdades raciais acumuladas historicamente. Essas leis além de apontar a necessidade da ideia de pluralidade racial, escancarou os problemas  do campo educativo que permitiu permanência e reprodução  de discriminações  nos conteúdos e materiais escolares.

Evidentemente tais questões geram uma série de controvérsias e polemicas, ainda mais em tempos de novo Tribunal da Inquisição renomeado e atualizado como Facebook. Todos independente da formação, grau de conhecimento e profundidade sobre qualquer assunto pode opinar e mais do que isso julgar e sentenciar, normalmente ao linchamento público e a morte. São diversas alegações contrárias as leis, mas o fato é que essas leis são fruto de um longo debate político-educacional e de séria atuação de grupos que com sua luta constante e persistente num cenário quase sempre adverso conseguiram transformar práticas estabelecidas há muito tempo. Não foi da noite pro dia.

Por isso conceitos como a interculturalidade é fundamental, pois pressupõe uma relação e interação entre as diversas culturas, não apenas a existência  e a convivência que revela que somos sim uma sociedade multicultural. Não dá pra negar o B – A BA básico: nossas matrizes são 3 e cada qual possui suas especificidades em nossa formação. O índio (ou melhor ainda a s diversas populações indígenas) é o NATIVO, ou seja, já estava aqui com sua cultura e sociedade organizada. O Europeu chegou por vontade própria, dentro do contexto do desenvolvimento do seu continente. E o africano por sua vez, foi obrigado a vir, sem escolha e abandonado em outro continente. Os índios e africanos portanto, apesar de suas diferenças – um é nativo e o outro imigrante forçado – tiveram sua cultura atacada e precisaram se adaptar a nova realidade.

O dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra é mais um momento de conquista e reflexão para trazer o debate à tona de muitas questões que por vezes eram abafadas e silenciadas – como se não existissem. Este dia é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares e negar o dia 13 de maio, dia da Abolição pois muitos consideram que essa data – como muitas outras no Brasil – retrata a passividade do negro diante da liberdade alcançada pela generosidade da Princesa Isabel. De fato, a história da Abolição é muito mais complexa do que eleger uma heroína branca e da monarquia que escravizou os africanos por séculos no Brasil. Você reconhece a foto abaixo?

É a Princesa Isabel e sua família, mas poucos a reconhecem.


Ela já foi representada das mais diversas formas e a construção de uma imagem para servir ao interesse político não é novidade.   

     



Mas reflita quem de fato representa melhor a causa dos negros?


Zumbi,  Líder guerreiro do Quilombo dos Palmares em 20 de novembro de 1688

Um assunto como esse tem milhares de questões mas que aqui não é possível realizar plenamente, porém finalizo com um exemplo pessoal e ilustrativo.

Quando lecionei numa escola da periferia de São Paulo por volta de 2001/2002, numa comunidade que morava ao lado do lixão em Perus, as meninas negras costumavam ficar pegando e alisando meu cabelo, liso e loiro admiradas. Isso me incomodava muito. Além disso, era comum aparecerem queimadas na testa – o que eu não entendia – até o dia que indaguei o que era aquilo. A resposta: “é chapinha prô, às vezes queima, é que a gente tem esse cabelo ruim não é igual ao seu”. Não preciso dizer como me senti, via as crianças chamarem as outras de cabelo de Assolan (propaganda que colocava crianças com cabelo de palha de aço em alusão ao outro produto, Bombril ) e ainda tinha (e tem ainda) a Malhação com aquele padrão estético do que é ser normal. Foi um duro trabalho para construir a auto estima e uma nova visão sobre elas próprias.

Por isso quando me perguntam se é preciso que exista um dia da Consciência Negra a resposta é clara: SIM, é fundamental por que os negros foram destituídos do direito de existir, trabalhar, se achar bonito, se entender nesse mundo por séculos. Nossa história não pode ser apagada simplesmente por que estamos em outros tempos, como muitos alegam. É preciso romper com mecanismos tradicionais de exclusão e infelizmente estamos longe disso.  
Por isso, viva Zumbi, símbolo que é na luta que se conquista direitos!

O desafio atual é garantir a continuidade e ampliação do debate e conquistas.

INDICAÇÃO:
Assista , use e abuse de um documentário fabuloso chamado Olhos Azuis sobre uma experiência – workshop – realizado por uma professora com crianças e depois com adultos. Arrepiante!


·         (Texto sem revisão)

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Nova Iorque: um novo prefeito para a capital do capital


Segunda, 11 de Novembro de 2013.

Por Gregório Carboni Maestri, Nova Iorque.



Enrique é nova-iorquino de 34 anos, puro e duro, viajado, filho de trabalhadores colombianos. É de esquerda, participou no movimento Occupy. Conhece a sub-cultura metropolitana nova-iorquina e, como muitos de sua geração, lembra com nostalgia a Nova Iorque pré-1995. Sim, a cidade era suja, perigosa, devido à introdução do crack dos anos pós-Vietnã. As conseqüências sociais do capitalismo mutante dos últimos anos 70 e a crise social produzida pelos anos Reagan despejavam na cidade desemprego, miséria, prostitutas. Mas, ao mesmo tempo, havia oposição, um resto de oposição. Uma oposiçãozinha política, social, cultural.

Eram os anos do refluxo. Mas como o beira-mar de Rockaways, em Nova Iorque, em maré baixa, o leito da praia era fértil, a areia repleta da espuma salgada, de conchas de contracultura que sobressaíam na superfície. Este refluxo foi mais complexo em Nova Iorque que em outras cidades estadunidenses. Nova Iorque é cidade de trabalhadores, muitos dos quais públicos, organizados em sindicatos, com uma longa história de lutas, não raro duramente reprimidas. Uma história que vai além da caricatura de cidade de yuppies da finança. Para que se tenha uma idéia, The Chief, um jornal muito lido e vendido em todas as bancas de Nova Iorque, se ocupa exclusivamente de questões ligadas aos trabalhadores públicos, desde 1897!

Anos 80, de cultura urbana underground, popular, negra, resíduo de movimento afro-estadunidense recém-derrotado. No Bronx, em Harlem, no Brooklyn, a nova fotografia imortalizava as ruas e os “cortiços” que invadiam os lindos edifícios da antiga burguesia oitocentista. Nova musica pop, r'n'b, rap, Dj's. Jovens artistas pululavam no bairro de SoHo, ocupando grandes espaços históricos da primeira indústria. Os micro-editores publicavam uma nova geração de escritores descendentes de imigrantes latinos, que naqueles anos lutavam por mais direitos. As micro-galerias expunham writers de rua, a arte dos “últimos”, dos gays, do movimento Queer. Em 1985, concluía-se a experiência da revista Oppositions e do Institute for Architecture and Urban Studies, que revolucionara durante a década de '70 a arquitetura estadunidense. Havia um bom cinema nova-iorquino: Cruising, Gloria, Permanent Vacation, Raging Bull e, até mesmo, acreditem, televisão que ainda conseguia expressar a realidade urbana de Nova Iorque: “The Bronx Zoo”, “Equalizer”, “Fame”, “Cagney & Lacey”.

Minha amiga prostituta

A distribuição étnica e social no território, sobretudo de Manhattan, resultara de um século intenso de industrialização capitalista, de uma classe trabalhadora que permeou cada poro da ilha. Etnias e nacionalidades, pobres e ricos, viviam o conflito urbano em um espaço muito vivo. No distrito financeiro, conta Enrique, até meados de '90, à noite, era território das gangs, off limits para os yuppies engravatados. Um pouco distante, nos bairros históricos da ex-Nova Amsterdam, aposentados brancos viviam perto de negros e ricos perto de classe média. Por quê? Porque, em Nova Iorque, muitos dos alugueis eram tabelados e os preços das casas relativamente baixos.

A dona da lavanderia onde eu costumo lavar a roupa em Brooklyn contava como até aquela época, para fechar a loja, pagava jovens traficantes para protegê-la, contra outros traficantes, e no metrô, cruzava cada noite com prostitutas, já suas conhecidas, com quem fizera amizade. Neste contexto, nos primeiros anos 80, nessa Nova Iorque complexa, um jovem estudante cabeludo da Columbia University, Bill De Blasio, nascido no seio de família de classe média baixa, de origem italiana e alemã, com mãe solteira e pai ex-veterano, alcoólatra, suicida. Bill, de esquerda, vai de viagem de estudos para a União Soviética! Casa-se com uma ativista do movimento negro, Chirlane McCray, com a qual celebra lua-de-mel em ... Cuba, do bloqueio. Vai à Nicarágua, durante a Revolução, em solidariedade ao sandinismo, que apoia ativamente. Mas sua fase juvenil radical termina aí, com o final dos 80. Então, entra na carreira política institucional, que nunca abandonará, tornando-se parte da burocracia do Partido Democrata, que, desde 1970, sempre governou a Big Apple.

O fim do ciclo do crack

Com os primeiros anos 90, a administração democrata consegue gradual diminuição da criminalidade, que baixa desde então, chegando aos dias de hoje a um nível pré-1965. Os especialistas dizem que o fenômeno está ligado ao fim do “ciclo” do crack; à legalização da interrupção de gravidez gratuita, certo crescimento de programas sociais, fim da fase recessiva aguda e aumento maciço do policiamento repressivo nos bairros pobres. Mas, em princípios de 1990, a situação era, ainda, sobretudo esteticamente, intolerável para a elite da capital do Império. Demasiados negros, demasiados latinos, demasiados chineses, demasiados pobres e demasiadas putas. Todos eles, demasiadamente perto.

A situação muda radicalmente depois de 1995. Como? “Chegou o prefeito-xerife! O Giuliani!”, exclama desesperado Enrique, contando como, com ele, a cidade será diferente. E o que Giuliani fez, primeiro, para “limpar” a cidade? Simples: liberdade de mercado para os especuladores. Liberalizou os alugueis e os preços das casas. Liberou totalmente a construção de novos edifícios. Em poucos meses, os preços dispararam, expulsando naturalmente a classe média, branca e negra, e os pobres, sobretudo negros e latinos, para as periferias distantes. O policiamento que os democratas começaram tornou-se permanente, total, com a possibilidade da abordagem, da revista e da prisão de qualquer pessoa, por qualquer motivo. Com a polícia com o direito de entrar pelas janelas nos apartamentos. Os objetos das abordagens eram, não é necessário dizer, quase sempre negros e latinos, ou seja, pobres.

A era do capital

Muita repressão e capitalismo depois, em menos de uma década, Nova Iorque transformou-se em uma espécie de paraíso burguês. Uma “jóia” de limpeza, de segurança, de ordem e de progresso. Não há um grafite selvagem ou um papel no chão. A taxa de criminalidade é a mais baixa do país, com menos de dois homicídios e de um roubo de bens ou de carros por dia, para uma população de quase dez milhões de habitantes. E os homicídios e roubos que ocorrem, acontecem, sobretudo, longe dos ricos, nas periferias, entre brancos, negros e pardos pobres.

Os anos 2000 celebravam a glória do liberalismo – a cidade torna-se caríssima, muito chique. Uma fase celebrada pelo esnobismo de mau gosto da série Sex and the City. As classes dominantes estavam felizes. No bairro SoHo, dominavam então as grandes galerias para os ricos colecionadores. Finalmente, o centro de Manhattan pertencia a uma só classe.

A cidade dos desejos


Seu nome não é inventado, nem um trocadilho. Abbondanza é uma suíça de língua italiana que vive há décadas em Nova Iorque. Vende e aluga apartamentos de luxo para milionários, alguns deles brasileiros. Possui um enorme apartamento, nos últimos andares de um arranha-céu, com vista deslumbrante sobre o Central Park, em Columbus Circle, um dos pontos mais exclusivos da cidade. Conta com misto de desgosto e satisfação como, até a chegada do Santo Giuliani, ao voltar com seu marido para casa, à noite, naquele mesmo bairro, cruzavam por uma multidão de putas que, depois de anos, acabaram conhecendo, a todas, pelo nome. Pouco depois de 1995, ano em que inicia a era Giuliani, elas sumiram. “Aonde foram parar?” pergunta Abbondanza. “Ninguém sabe!”, ela mesma responde.

Oito anos mais tarde, Giuliani foi seguido pelo líder dos capitalistas nova-iorquinos, Bloomberg, que continuou a obra do prefeito-xerife. Em três mandatos, um terço do território de Nova Iorque foi cedido à especulação. Não se construiu uma moradia social e o que se fez de público foi feito nos bairros ricos, para valorizá-los. Em média, hoje, um trabalhador paga, por um quarto, em apartamento compartilhado, no mínimo mil dólares! E o discurso dominante das classes dominantes é: “a cidade nunca esteve tão bonita! Não há um criminoso nas ruas! Não se vê uma puta. A miséria desapareceu! A vida é uma maravilha!”.


A cidade invisível

Mas qual foi a contrapartida? Nova Iorque, que tem um PIB de 1,2 trilhão de dólares, quase a metade da riqueza brasileira, jamais, como hoje, foi socialmente tão desigual. Desde a Grande Depressão, em início dos anos 1930, não havia tantos miseráveis: mais de cinqüenta mil sem teto; mais de doze mil famílias sem casa; mais de 22 mil crianças vivendo na miséria absoluta. Uma enorme parte da sua população se equilibra duramente para sobreviver, sem qualquer certeza para o futuro. A magia que operaram os representantes do grande capital foi fazer um “vapt vupt”, lançando os pobres, miseráveis e precários mais visíveis sob o tapete! A pobreza branca, negra e parda foi embretada na periferia, situação que lhe dificultava, já materialmente, incomodar os que importam. Em palavras simples: pobre, hoje, tem que viajar para roubar! A única coisa que se vê são os mendigos no metrô, enquanto reverbera a voz do big brother lembrando aos viajantes que “dar esmola é favorecer a mendicidade”, sobretudo, “é proibido!”.

Nesse contexto que subentendia a destruição da esquerda e dos grupos sociais organizados, o movimento Occupy, do pós-crise de 2008, irrompeu como expressão da vontade de mudança na seio de importantes segmentos da população. Mas ele sumiu tão rapidamente quanto foi intensa sua chegada. E isso graças ao seu literal desprezo para com a organização sindical e partidária e pela já velha e inarredável lição do marxismo, também olimpicamente menosprezado, de que a luta de classe pelo domínio dos meios de produção é a única solução à barbárie capitalista. Jamais compreenderam que não bastava ocupar, simbolicamente, o capital; havia que lutar por controlá-lo e expropriá-lo!

A inconsequência do Occupy

Os poderes fortes do capitalismo adoraram a inconseqüência do Occupy. Desculpem-me a imagem forte, foi simplesmente como esmagar um caracol com o salto do sapato. Isso, associado ao obamismo, fez com que hoje, em Nova Iorque, não haja traço sensível de oposição política. A insatisfação para com uma vida em que o capital domina cada instante quotidiano; o desgosto por uma cidade elitista, economicamente violenta, totalmente ditatorial, introjeta em cada nova-iorquino normal um inconsciente, mas pesado e solitário, sentimento e desejo de um futuro e uma vida melhores, diferentes. Mas não consegue expressá-lo e não há quem materialize esse sentimento em um projeto social e político.

Foi neste contexto que o jovem cabeludo dos anos '80, De Blasio, agora de cabelinho curto e bem vestido, candidatou-se a prefeito. Desde finais daquela década, De Blasio era burocrata do Partido Democrata, participando da administração de bairros de Brooklyn com muita visibilidade e aparente proximidade ao povo. Mas, no frigir dos ovos, em vinte anos, pouco ou nada fez para os trabalhadores e populares. O que fez, sim, foi apoiar as políticas de Bloomberg, apesar de muita oposição no “blá blá blá”, e de sustentar os interesses dos construtores, que agradeceram sua ação financiando ricamente sua campanha. Qualquer semelhança com o Brasil é mera coincidência.

Bandeiras vermelhas

Interpretando a vontade de mais radicalidade, de um giro à esquerda, de maior intervenção pública dos poderes públicos na vida quotidiana da população, construiu uma campanha – até esteticamente – insólita, em verdade talvez jamais vista nos EUA. Muito parecida com o que o PT costumava fazer: fundo vermelho – que aqui é a cor do comunismo! Slogans claramente radicais e de esquerda: Impostos mais altos aos ricos! Mais casas sociais aos pobres e à classe média! Menos desigualdades econômicas! Os ricos de Wall-Street também devem pagar! O prefeito para os “99%”! A adesão dos sindicatos e da população foi fulgurante, imediata. E o casal multiétnico dava aos De Blasio's uma estética de grande sucesso. O filho Dante, penteado à moda das Panteras Negras, foi um magnífico mascote.

A vitória foi esmagadora, 72%. Nem o Lula faria tanto! Minha bola de cristal me disse que, nesse mandato, as modificações para os trabalhadores e para a população serão poucas ou nulas. Que a crise econômica vai piorar ainda mais as condições populares de vida. Que a decepção pelo prefeito “comunista” será grande e, com ela, um refluxo ainda maior da esquerda na cidade.


Não há dinheiro!

Eleito, De Blasio anunciou que as centenas de milhares de trabalhadores públicos da prefeitura com contrato vencido há anos não poderão ser renovados. Não há dinheiro! Vai renovar alguns contratos, em troca de “concessões” dos sindicatos para diminuição de salários. Quanto a sua obsessão histórica, as casas para os pobres, qual é seu plano? Dar ainda mais autorizações de edificação a empreendedores especulativos, com vantagens econômicas atrativas, desde que construam, como “uma parte” dos prédios, algumas habitações para classe média ou pobre. São as cotas que chegam à especulação imobiliária. A prefeitura de NY não construirá nadinha! E a tal de taxa para os ricos? Sem a autorização do governo do estado de Nova Iorque, não será possível brincar de Robin Hood, já se propõe.

Única notícia positiva neste mar de tristezas onde um camarada do passado se elege para seguir a política do capital são dois candidatos, Anthony Gronowicz, do Partido Verde, professor universitário, boa pessoa, vagamente de esquerda; e Daniel Fein, do Socialist Worker, montador mecânico em uma fábrica de eletrônicos, único candidato camarada a sério, com um programa socialista para os trabalhadores. Juntos tiveram quase 6 mil votos. Não é muito, mas já que ninguém registrou o feito, eu o faço. 


- Gregório Carboni Maestri, 36, arquiteto, é belga, italiano e brasileiro. Doutorando em arquitetura pela Universidade de Palermo. É atualmente Visiting Research Scholar pela Columbia University, Nova Iorque. E-mail: gc2589@columbia.edu 

Texto In:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9053:submanchete111113&catid=72:imagens-rolantes 

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

POR QUE NÃO O HALLOWEEN NO BRASIL? IMPERIALISMO, SACI, XENOFOBIA E CULTURA.


A medida que a data foi se aproximando mais referências sobre o DIA DE HALLOWEEN foi aparecendo. Ainda mais em tempos onde todo mundo pode ser ouvido no palanque do FACEBOOK. Os que entendem do assunto, os que não entendem, os que já leram algo em algum lugar, os que só querem opinar nesses tempos que “todo mundo tem que ter uma opinião”, os sensatos e principalmente os nonsense. Daí, vale a pena uma ou duas ideias a respeito, para responder ou apenas pensar na questão: POR QUE NÃO O HALLOWEEN NO BRASIL?

Antes do apedrejamento moral, é bom esclarecer que não celebro Halloween, não distribuo balinhas e docinhos por aí (nem no dia de Cosme e Damião!), não tenho uma abóbora, nem aranhas e morcegos enfeitando minha casa. No entanto, não vejo problema na data, na tradição e seus significados históricos. O problema reside em outra questão, não é?

A falta de afirmação/valorização de nossa própria CULTURA que facilmente é atropelada por modismo e tradições exteriores. Temos uma enorme riqueza cultural muito pouco conhecida e por muitos (normalmente da classe média arrogante e inculta) considerada coisa de país periférico, colonizado e miscigenado (há pouco ouvi a pérola que “congada é coisa de preto”). Nosso paradoxo. Da nossa agonia como país explorado e escravizado vem nossa maior riqueza: nossa cultura, farta e plural.

Quando eu era criança lia muito (acho que é coisa da minha mãe) e uma coleção inesquecível com três livros (na minha estante até hoje) foi justamente uma com um nome horrível, própria da época da DITADURA MILITAR: “Cultura Cívica Brasileira”, com as mais diversas lendas brasileiras. Descobri muito mais tarde que aquelas ilustrações fabulosas que me faziam imaginar aquele mundo era de José Lanzellotti que fez parte da expedição Roncador Xingu, com os irmãos Vilas Boas em 1949 e se dedicou a retratar a vida indígena, o Brasil e sua cultura.  E na bibliografia consta o nome de Câmara Cascudo e sua obra “Antologia do Folclore Brasileiro”. Em julho deste ano, em viagem a Natal – RN, tive a oportunidade de visitar a casa onde ele viveu a maior parte da vida.

Neste livro li as mais diversas histórias que não me lembro em detalhes, mas que colaborou com a minha formação e entendimento sobre cultura brasileira e respeito às tradições. BOITATÁ, NEGRINHO DO PASTOREIO (esse eu me lembro porque sofri muito!), IEMANJÁ, SACI PERERÊ, CAIPORA, UIRAPURU, BOTO, MULA SEM CABEÇA, CURUPIRA, entre os mais conhecidos e mais a PRINCESA SALAMANDRA, CEUCI, ANHANGÁ, MAPINGUARI, SALAMANDRA DO JAÚ entre muitas outras histórias.


Contra capa do meu livro "Cultura Cívica Brasileira", ilustração de J. Lanzellotti. 

Uma riqueza cultural e regional sem fim. Isso constitui a pluralidade nacional.  Devemos incentivar a leitura, o conhecimento do nosso folclore e tradições, disseminar as histórias, fazer as crianças lerem, os professores montarem peças de teatro, releituras das tradições, adaptações. Isso os EUA fazem brilhantemente. E nós? Minha pergunta é: será que quem condena o HALLOWEEN incentiva a nossa cultura de fato? Conheço muitos que sim, oferecem para seus filhos, elaboram projetos nas suas escolas, valorizam... Mas e o restante? Faz o quê? Posta na internet que é contra a invasão de estrangeirismos?
Capa do livro 

Aí o outro ponto nevrálgico. O problema está na nossa aversão ao processo de americanização. Eu estudei por anos o imperialismo, a americanização e a dominação ideológica e cultural estadunidense para minha Tese de Doutorado em História (ver: AMERICAN DREAM E O PESADELO VERMELHO: AMERICANIZAÇÃO E ANTICOMUNISMO NAS PÁGINAS DE O CRUZEIRO 1947-1950). Fui orientada e sou discípula de um dos maiores estudiosos sobre EUA no Brasil, professor Dr. Antonio Pedro “Tota” que escreveu o livro delicioso e imperdível “O IMPERIALISMO SEDUTOR”. Portanto, entendo alguma coisa desse processo. Mas daí a ter aversão a uma data por que não tem a ver com nossa cultura acho exagero.
Justo.

Não seria muito purismo? Rechaçar só essa data ou tudo que não pertence a nossa cultura? Ou só o que pertence a cultura anglo-saxônica? Deixemos o rock e o futebol e outras coisas que não nos pertencem originalmente. Inclusive não poderíamos, nessa lógica, nem usar o termo FOLCLORE que também é inglês ("folk", em inglês, significa povo, e "lore"  cultura). Isso é XENOFOBIA: preconceito, aversão e a discriminação. Sempre desnecessário e perigoso. O problema não está em recusar outro estrangeirismo, o problema está em valorizarmos as nossas tradições. NÃO COMBATENDO A OUTRA. VALORIZANDO A NOSSA. É DIFERENTE.
 Não tenho nada contra o Halloween. Não está deturpando nossa cultura, não está substituindo uma comemoração já existente nossa.  O HALLOWEEN OU DIA DAS BRUXAS é uma festa celebrada no dia 31 de outubro, véspera do dia de Todos os Santos. Tem uma história muito interessante pois como festa pagã (da cultura céltica) era proibida pelo catolicismo na Idade Média. Acho muito sensacional! Gosto mais ainda do DIA DE MUERTOS no México que acontece no dia 1 (todos os Santos) e 2 (finados). Também é alegre, envolve as máscaras e fantasias e outros condimentos. (Sobre o México, leia Octávio Paz, O Labirinto da Solidão, prometo: muda a nossa vida)

Dia de los Muertos no México

O que é ruim? Quando uma cultura coopta/domina a outra. Como nossas FESTAS JUNINAS E CARNAVAL que cooptadas pelo MERCADO se transformam em outra coisa e se distanciam de suas raízes. Isso sim é um problema.

De novo: o questão é outra. O HALLOWEEN não substitui ou fere nosso folclore, simplesmente por que o DIA DO SACI foi criado a menos de 8 anos. O DIA DO FOLCLORE, 22 de agosto, ninguém lembra. Precisamos sim RECUPERAR, VALORIZAR, INCENTIVAR a nossa cultura. Precisamos ter orgulho de quem somos, de nossas tradições e histórias. Das nossas riquezas regionais que mal conhecemos. Mas não acho que outras culturas – desde que não seja como dominação – devam ser recusadas. Vá nas festas de Hallowenn e leve nossa cultura pra lá também, vá fantasiado de SACI, UIRAPURU, CAIPORÁ OU IEMANJÁ. 


Parece que a recusa ou o combate ao HALLOWEEN é mais uma vingança pelo imperialismo estadunidense do que pela própria data, que de fato, mal nenhum faz. Mas COCA-COLA, isso sim: vicia, engorda e entope as artérias! Bruxas são inofensivas. 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Colônia Paulista+PSDB+Greve+Polícia+Ensino Superior+Alunos: Temos o que comemorar? Uma reflexão a partir da minha trajetória para professores e principalmente para os não professores

       Tenho minhas dúvidas se neste Dia dos Professores devemos realmente celebrar alguma coisa! Lamento lembrá-los, mas essa é uma das categorias mais achincalhadas e mais mal remuneradas do país. Estuda-se muito e o retorno é uma vergonha. Proponho-me aqui a pensar minha trajetória para tentar sanar essa dúvida: TEMOS O QUE COMEMORAR NESTE DIA?
O magistério foi uma escolha e não um acontecimento na minha vida.
No ano de 1994 ingressei em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC.  Três meses depois do ingresso, iniciei minha vida no magistério pegando aulas de História numa escola estadual em área semi-rural da cidade de São Paulo, a EEPG Ernestino Lopes da Silva, no bairro Colônia Paulista, último bairro da cidade antes da estrada velha para Santos. Um lugar onde ninguém queria ir e na época sobrava aula para estudantes e outros profissionais. No ano seguinte o Sr. Mario Covas assumiu o governo do Estado e eu não podia imaginar que aquela situação de alunos e professores que já era difícil se tornaria inviável a partir dali.
A história dessa escola se confunde com minha história da graduação. Os cinco anos que estudei na PUC foram os mesmo que lecionei no Ernestino. Sai às 6h da manhã da minha casa no Rio Bonito (bairro da periferia da zona sul) e ia para a PUC. Ao meio dia eu saia correndo, pegava dois ônibus e chegava por volta às 14h30min e 15h no Colônia. Na época eu contava com uma grande amiga, era a merendeira que com pena de mim, preparava sempre alguma coisa pra eu comer antes de entrar na sala de aula. Lecionava no famoso turno das 3 às 7h e das 7 às 11h. Saiamos em comboio no último ônibus e voltava em 40 minutos para casa. COISAS DA VIDA: UM PERÍODO TÃO PESADO QUE EU LEMBRO COM TANTA LEVEZA. Falando assim parece só sofrimento, no entanto hoje tenho clareza que aquele período me transformou no que hoje sou.
Teoria e prática se fundiam numa mesma trajetória que se moldava pouco a pouco. No Ernestino aprendi as dores e as alegrias do magistério. Comecei crua, sem saber exatamente qual era minha função com aquelas crianças e jovens e aos poucos fui compreendendo minha função social como professora e historiadora. O maior feito daquela época conturbada e de transição na educação foi lecionar História para a mesma turma acompanhando-os desde a 5ª série até a formatura. Este tipo de experiência me forjou como professora. Guardo na gaveta das MELHORES MEMÓRIAS os meus queridos alunos do Ernestino. Sem eles este texto não existiria.
Foi sem dúvida essa primeira experiência que me fez, mas depois vieram o Colégio São José e aquela turma que atropelou meus preconceitos e me fizeram uma pessoa melhor. Alunos dessa escola me ajudaram -sem saber- a manter minha cabeça pra fora da lama. Sou grata eternamente.
Depois, tantas outras escolas públicas vieram - já no processo de precarização do trabalho docente no governo do PSDB, era cada vez mais difícil conseguir aula (escolas que fechavam, salas que desapareciam), atribuições que mais pareciam (e parecem) sessões de tortura, humilhação e escracho público (QUEM NUNCA PARTICIPOU DE UMA ATRIBUIÇÃO DE AULA NOS ÚLTIMOS 20 ANOS NÃO SABE DE FATO O QUE SIGNIFICA A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DESSE GOVERNO).
Dei aula em Perus, na zona rural de Mairiporã, Cambuci e até na Av. Paulista no projeto Recuperação nas Férias já nos anos 2000. Pensava que as coisas não podiam ser piores para os professores... ledo engano! Implementava-se o projeto ESCOLA DA FAMÍLIA que arregimenta um número grande de trabalhadores – todos alunos universitários - para a escola e que acabavam por cumprir um duvidoso papel no sistema escolar nos fins de semana.
 Na greve de 2000, quando uma grande massa de professores percebeu que a vida tinha piorado muito, a violência policial foi indescritível! Na Paulista, numa das passeatas até a Secretaria da Educação, única forma de dar visibilidade da nossa situação, recebi cutucadas violentas de um policial militar para que eu me mantivesse na faixa designada pelo comandante do pelotão. Quando me virei para reclamar de dor, minha surpresa: ele olhava pra mim pasmo, um misto de VERGONHA E ARREPENDIMENTO. Era um ex-aluno do Colônia que estudou em sala super lotada, no extremo da zona sul – região esquecida pelas políticas públicas. Ele sabia como nós professores sofremos e lutamos por melhores condições para nós e para eles também. Porém, estávamos ali, agora de lados opostos – ele tinha o papel de me controlar e coagir. Preferiu abaixar a cabeça e acelerar o passo. NUNCA MAIS O VI.
Pouco tempo depois escrevi um artigo denunciando o verdadeiro projeto de educação do governo de SP, agora completando 18 anos no poder e alcançando índices vexatórios na educação pública! As escolas de São Paulo são uma vergonha. Neste artigo eu afirmava:

“A EDUCAÇÃO É UM DOS PONTOS FORTES DA RETÓRICA NEOLIBERAL. ESTE PROJETO DE CONTROLE SOCIAL DA BURGUESIA TRANSFORMA A EDUCAÇÃO EM MERCADORIA TIRANDO-A DA ESFERA DO DIREITO INALIENÁVEL DE TODO SER HUMANO. A PREOCUPAÇÃO BÁSICA DOS SETORES DA BURGUESIA É COM O MERCADO, ASSIM A ESCOLA PASSA A SER A INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL POR FORNECER MÃO DE OBRA QUALIFICADA. NESTA PERSPECTIVA, O PROFESSOR NADA MAIS É DO QUE UM AGENTE FORMADOR DE MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, UM BABÁ DE FUTUROS TRABALHADORES OU DESEMPREGADOS. A DISTORÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA E DA EDUCAÇÃO SE COLOCA AQUI EM SUA PLENITUDE: A EDUCAÇÃO NÃO É MAIS PARA O DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL DO SER HUMANO E O EDUCADOR NÃO É MAIS O PROFISSIONAL QUE FAZ A MEDIAÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO E O ALUNO. O NEOLIBERALISMO MERCANTILIZA A ESCOLA, A EDUCAÇÃO E O PRÓPRIO EDUCADOR”.

Enfim, continuei minha trajetória e resolvi seguir a vida acadêmica. Percebi que poderia ajudar na formação de novos professores.  Fiz meu Mestrado em História em meio a todas as dificuldades possíveis e imagináveis. Parei por um bom tempo e me dediquei a lecionar no Ensino Superior privado. E já se foram mais de 12 anos no Ensino Superior em graduações de História, Pedagogia e demais cursos que me trouxeram para a triste realidade: não era só a educação básica que vivia aquela situação caótica.
As condições de trabalho na maioria das instituições de Ensino Superior privado são terríveis. Nenhum incentivo à pesquisa, um crescente aumento da carga horária, salas superlotadas, sistemas de avaliações descabidos que gera pressão para aprovação sem critérios dos alunos, vistos sobretudo como “clientes”. Jogar mão de obra barata no mercado e rápido (cursos de no máximo três anos), não importando qual a real formação desse aluno. Esta era uma situação que dia a dia se tornava insustentável e dava sinais, como se confirmou mais tarde, de que a tendência era o aprofundamento das condições degradantes de trabalho. 
Sem saber bem como explicar aqui, consegui fazer meu Doutorado em História e contei com muitos alunos que ajudaram diretamente na Tese ou com paciência assistiram aulas nem sempre bem preparadas por falta de tempo e fôlego. E assim consegui chegar a Universidade Federal: anos luz à frente do Ensino  Superior Privado, mas sucateada e deteriorada pelas antigas e atual gestão.
Para minha sorte, como sempre, encontrei alunos que fizeram toda a diferença, parceiros nessa trajetória. Hoje muitos são amigos fiéis e em sua maioria professores como eu. Outros, é claro, no máximo me respeitam e outros, como não poderia deixar de ser, não me suportam. Unanimidade nunca foi meu forte.
Não posso negar que trabalhar nestas condições repletas de adversidades, exige jogo de cintura e capacidade de superar dilemas, o que é uma grande escola. MAS O MAIS DIFÍCIL É CONTINUAR NA LUTA. Muitos desistem, muitos sucumbem ao que aí está. Mas a grande maioria luta, grita, vão às ruas. E não é por que tem vocação, amor à profissão, e nasceu pra isso. Não. Nós estudamos muito, como médicos, advogados e engenheiros. Aprendemos a ser um bom professor. Amor só não basta, por que diante de tantas mazelas, o amor se esvai. Professor tem compromisso, persistência, vontade e força mesmo, por que acredita numa sociedade melhor e na transformação social. Formei muitos alunos para luta e hoje entendem no chão da sua sala de aula o que eu dizia há tempos atrás: Nós existimos e enquanto estivermos aqui, a luta continua.

Eis que consegui minha resposta. Sim, temos que celebrar sim. Nossa existência, nossas conquistas e nossa luta. Então, PARABÉNS PROFESSORES. 


PS1. SEM ESQUECER AQUELES QUE POR CONTA DAS MAZELAS DESSE SISTEMA NEM ACESSO A EDUCAÇÃO TEM, SÃO BILHÕES DE PESSOAS NO MUNDO QUE ESTÃO ABAIXO DA LINHA DA POBREZA, OU SEJA, NÃO EXISTEM PARA O MUNDO. MAS PODE ACREDITAR, ELES SÃO REAIS.

PS2. Se não lembra ou não viveu a GREVE DE 2000, assista aos vídeos disponíveis no You Tube ou esse aqui.


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Relato de um absurdo - Por Bruno Salheb


Passei em um concurso público para área administrativa e fui ontem fazer o exame admissional para trabalhar para o governo do estado de SP. Minha saúde anda ótima, quem me conhece sabe que eu mal tenho resfriado. Todos meus exames mostraram isso, sem sombras de dúvidas. Apesar de meu peso, nunca tive triglicérides, colesterol, pressão alta e minha glicose está sempre boa. Sendo assim fui apenas "cumprir tabela" em uma das clínicas terceirizadas que o governo do estado usa para com fazer o exames. Na prática o governo do estado terceiriza quase todo o amparo médico ao servidor e esses terceirizados prestam satisfação aos centros de Bauru e da capital. O médico me atendeu depois de uma longa espera (um atraso de 1h a partir da hora marcada). Após um breve exame, checagem de pulso, estetoscópio no peito, o médico me olha e fala: 
-Quanto você está pesando?
Ora, a assistente havia me pesado minutos antes. O número estava na frente dele. Informei meu peso e segui com uma frase espirituosa:
- É, estou um pouco gordinho.
Seguido pela réplica do doutor:
- Não, você está muito gordo. Não posso te aprovar com esse seu peso. 
Questionei o doutor. Ora, o que que tem o meu peso? Não estou ali pra ser um soldado, estou ali pra prestar serviços administrativos e meus exames atestam minha saúde perfeita! Ele tornou a falar:
- Olha, isso vem de cima. Eu estou cumprindo ordens. O IMC máximo que o estado permite é 29,9, o seu é 35. Vou dar retido e em Bauru vão te encaminhar para ser examinado por uma junta médica.
Foi um choque! Essa é uma atitude derivada de um pensamento que cresce em SP. É o mesmo pensamento que mata negros nos bairros pobres, é o mesmo pensamento que barra pessoas pobres em shoppings, que humilha nordestinos nos centros do sudeste. Ser gordo é ser feio, é ser menos cidadão, é ser marginalizado. Vivemos um processo estético-higienista tocado pelo governado estabelecido em Sp nos últimos 20 anos. 
"Não Bruno, essa palavras são muito fortes, você está usando o reductio ad hitlerum tão famoso na internet". Não. Estou me baseando em fatos. Minha experiência não foi um "erro" do médico, ou apenas uma atitude de ignorância do sr. governador do estado. Nosso estado vive o pior cenário de sua história na questão de falta de professores e muitos deles hoje só estão trabalhando por meio de liminar judicial, pois foram considerados fora do padrão estético. É uma política pública de segregação, de tornar determinados cidadãos dignos de menos direitos que os outros.
Tenho uma rede valorosa de amigos e companheiros com os quais serrei fileiras em lutas por direitos trabalhistas e direitos humanos e, após o choque inicial entrei em contato com todos eles. Vereadores, deputados, ministros, jornalistas, advogados. Essa luta não podia ser só minha. Fui amparado como sempre soube que seria. 
Graças a esse apoio hoje cedo recebi uma ligação do médico me contando que havia acontecido um erro e que eu estava aprovado e poderia assumir o cargo, que na verdade eu não era gordo, o limite era 41 e não 29,9. Ele disse que não tinha culpa, estava seguindo ordens superiores. 
Ora, o que disse a ele repito: e as outras pessoas que saíram de lá chorando ontem? E a expectativa delas de conquistar dignidade através do trabalho? E se eu tivesse IMC 41? É o tamanho da minha roupa que determina se eu presto ou não pra fazer um trabalho administrativo? O senhor sabia da imoralidade absoluta da ordem que recebera e mesmo assim a executou? 
Sinceramente, não é uma vitória. Será quando forem abolidos da política esses pensamentos preconceituosos. Será vitória quando a abominação de seguir ordens sem pensar sobre elas for passado. Enquanto isso temos a luta!

Fascistas, nazistas, não passarão! Jamais passarão!

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O último discurso de Salvador Allende em 11/9 pouco antes de morrer...A emoção em forma de luta!

Quando escutei pela primeira vez este discurso ainda não tinha internet, you tube e todas as facilidades de hoje. Estava na PUC, há quase 20 anos e ganhei uma fita cassete com o discurso gravado. Me lembro até hoje que comecei a ouvir de forma despretensiosa, como se fosse ouvir mais um discurso político...Ledo engano, ao ouvir os ruídos da gravação e palavras ditas fui me emocionando e, como não podia deixar de ser, chorei muito, compulsivamente. Eu sou estranha mesmo, coisas humanas me emocionam!

 Nem sei mais se pelo contexto da morte, do golpe, da violência, da ousadia daquele homem, se pela luta de um ideal, se pelas consequências daquilo para o povo ou para o mundo.  Só sei que daí em diante minha luta por uma sociedade mais justa e igualitária é a única coisa que faz sentido. Um dos discursos mais bonitos da história. 

Meu esquecimento é imperdoável, havia prometido para os alunos e só hoje me lembrei... Desculpem. 

Uma pena que só se reconheça o valor das pessoas e suas lutas depois que elas morrem tal como Allende ou Dr. Mather Luther King...Aqui está o último discurso de Salvador Allende. No dia 11 de setembro de 1973, após receber a informação do levante dos oficiais o presidente  Allende se dirigiu para o Palácio La Moneda, sede do governo do Chile para  uma tentativa de resistir ao golpe. Este é o último discurso que ele pronunciou de forma improvisada pela rádio Magallanes onde ele rechaça o exílio e combate junto com sua guarda até a morte. Pouco depois ás 11:55 se inicia o bombardeio liderado por Pinochet, o ditador que ficará no poder por mais de 17 anos. Este discurso é, pelo seu conteúdo e contexto, um dos mais emocionantes e bonitos da história. 

Não é fácil lutar por um mundo mais justo, ainda mais quando parte da humanidade está fora dele e a outra parte nem liga ou acha que simplesmente não tem jeito....

Um abraço.
                                             http://www.youtube.com/watch?v=xZeEfXjTNu4

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Moniz Bandeira coloca em xeque "ataque químico" na Síria

Em entrevista ao jornal O Estado de Minas, no último domingo (1º/9), o professor Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira é um dos que coloca em xeque os relatos sobre o ataque químico na Síria.



Doutor em ciência política, professor aposentado de história da política externa do Brasil e autor de vários livros premiados sobre relações internacionais, ele não tem dúvidas em afirmar que o ataque da madrugada de quarta-feira foi “montado” por opositores ao governo de Bashar al-Assad.
Diferentemente dos países árabes, onde ocorreram mudanças de regime na chamada Primavera Árabe, o conflito na Síria envolve questões mais complexas e confronta interesses estratégicos de diversos atores. 
É dado como certo que algum tipo de arma química foi utilizado no ataque realizado nos subúrbios de Damasco. No entanto, há incertezas sobre quem foi o responsável por desferir a operação. 
Os Estados Unidos e seus aliados atribuíram imediatamente a autoria do bombardeio ao governo de Al-Assad, que sempre negou o uso de tais armas. Além da própria Síria, Rússia e Irã acusam os rebeldes pelo crime. 
As imagens e declarações a respeito do massacre encheram os noticiários. As informações mais veiculadas relatam 1,3 mil mortos, centenas delas crianças. O credito dado é sempre “de acordo com ativistas”, ou seja, um lado do conflito. Às vezes, mais responsavelmente, fala-se em centenas de vítimas. 
Segundo a reportagem do Estado de Minas, os dados "mais confiáveis" sobre o caso até agora é a da organização Médicos sem Fronteiras, que relatou 355 mortos. Embora não haja dúvida de que uma matança ocorreu, esse fato evidencia que nas guerras não existe imparcialidade, mas apenas versões. E o questionamento dessas versões é saudável.

Moniz Bandeira não tem dúvidas em afirmar que o ataque da madrugada de quarta-feira foi “montado” pelos bandos armados que procuram derrubar Al-Assad, com o objetivo de mobilizar a opinião pública internacional e justificar uma intervenção externa no país. Nesta entrevista dada ao jornalista Pablo Pires Fernandes, o professor discorre sobre importantes aspectos que compõem o trágico xadrez do conflito sírio.

P. O ataque com armas químicas de 21 de agosto ocorreu, mas sua autoria é alvo de controvérsia. Quem acha que é o responsável?
R: Civis e crianças jamais podiam constituir um alvo militar para o uso de armas químicas pelo governo da Síria. Porém, configuram excelente alvo midiático para exploração dos rebeldes e terroristas, por meio da mídia ocidental, sobretudo depois que o presidente Barack Obama declarou que o emprego de armas químicas pelo governo do presidente Bashar al-Assad seria a “linha vermelha” para que os Estados Unidos interviessem militarmente na Síria. E o cenário para a intervenção, está claro, foi perfeitamente montado, uma vez que o Exército do governo de Al-Assad, desde junho, vem vencendo os insurgentes em sucessivas batalhas no país.

P. Isso, portanto, seria usado pelos EUA para outra intervenção no Oriente Médio.
R: Sim. Ao longo dos 235 anos de existência, desde sua fundação em 1776, os EUA estiveram 214 anos em guerra. E agora o presidente Obama tem uma “razão propagandística” para fazer outra, ademais das que ainda enfrenta, sem sucesso, no Afeganistão e Iraque. O ataque com armas químicas, mostrado em vídeos, constituiu outra manipulação, uma tragédia fabricada, como os anteriores massacres em Hula, Homs e outras cidades, com fins de propaganda, com a cumplicidade da mídia, contra o regime da Síria, de forma a encorajar a intervenção aberta das potências ocidentais, como ocorreu na Líbia. Todos os governos, inclusive o do Brasil, estão informados da assistência que os serviços de inteligência estrangeiros prestam aos insurgentes e a “política dos massacres” é enfatizada pela mídia internacional de forma a favorecer algum tipo de intervenção do Ocidente. A necessidade de "razão propagandística" para justificar as guerras tem grandes antecedentes históricos recentes.

P. Pode dar alguns exemplos?
R: Em 22 de agosto de 1939, Hitler explicou ao Alto Comando da Wehrmacht, que ele daria “uma razão propagandística” para invadir a Polônia. Agentes da Gestapo, vestidos com fardas de soldados da Polônia, invadiram um posto militar da Alemanha e aí começou a Segunda Guerra Mundial. Nos anos 1970, durante a guerra do Vietnã, os EUA manipularam um ataque a um navio americano a fim de obter do Congresso autorização para bombardear Hanoi. O ex-secretário de Estado, Henry Kissinger posteriormente reconheceu a fraude que permitiu ao presidente Lyndon Johnson induzir o Congresso a aprovar a Tonkin Resolution, que equivaleu a um cheque em branco para escalar a guerra do Vietnã. E em 2002, o presidente George W. Bush atacou o Iraque sob o pretexto de que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa que na realidade não existiam. Hitler deu o exemplo para atacar a Polônia e os outros copiaram.

P. Para que ocorra uma intervenção externa em um país, as leis internacionais determinam que a ação deve ser aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU. Porém, o Reino Unido e os EUA falam na possibilidade de agir sem este aval. Como fica a questão da legalidade?
R: A doutrina de responsabilidade de proteger, criada pela ONU em 2005, parte do princípio de que a soberania não é um direito, mas um privilégio, e que, se um Estado violar os preceitos da boa governança, a comunidade internacional está moralmente obrigada a revogar a soberania da nação e assumir o comando e o controle do Estado transgressor. É óbvio que tal princípio visa jogar poeira nos olhos da humanidade. Na prática, só pode ser aplicado pelas grandes potências contra as nações mais débeis, que não dispõem de poder de defesa e retaliação. A conclusão, óbvia, é a de que todos os Estados devem armar-se, inclusive, tanto quanto possível, até com artefatos nucleares, como poder de dissuasão, tal como fazem o Irã e a Coréia Popular. Tivessem Saddam Hussein e Muamar Kadafi armas nucleares certamente não teria ocorrido a invasão do Iraque em 2003 nem o ataque à Líbia em 2011.

P.Os rebeldes que lutam para depor Al-Assad são uma miríade de facções e grupos autônomos. Quem são eles?
R:Os ditos rebeldes são, em larga maioria, salafistas, militantes da Irmandade Muçulmana, terroristas da Frente Al-Nusra, grupo vinculado a Al-Qaida no Iraque, jihadistas de vários países árabes, mercenários recrutados pela Arábia Saudita, Catar e outros Emirados. Mais de um milhar de jovens islâmicos radicalizados foram da Europa Ocidental e, também, dos EUA para lutar na Síria. Matthew Olsen, diretor do US National Counterterrorism Center, em Aspen, no estado do Colorado, disse que “a Síria tornou-se no mundo o principal campo de batalha dos jihadistas”.

P. Como a questão religiosa interfere no conflito?
R: Os fatores da guerra na Síria são os mais diversos, em que as questões religiosas se entrelaçam com interesses econômicos e geopolíticos (a Bacia do Mediterrâneo e suas jazidas de petróleo), interesses hegemônicos dos EUA e de Israel, o conflito com o Irã, divergências e competição entre Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Esses fatores, que são extremamente complexos, tratei em meu livro A segunda Guerra Fria - Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos - Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e Oriente Médio, que deve ser lançado em setembro.

P. Como o conflito altera as relações entre Rússia e EUA?
R: A Síria converteu-se em uma Segunda Guerra Fria, na qual se evidencia a confrontação de dois blocos, formados, de um lado, pelos EUA, União Europeia, petro-monarquias do Golfo Pérsico, Turquia e Israel; e, do outro, pela Rússia, China e Irã, apesar da diversidade de interesses. Apesar de não reconhecerem, a Rússia continua como o principal adversário estratégico para os EUA. E a queda do governo de Al-Assad permitiria suprimir sua presença no Mediterrâneo, onde mantém duas bases navais na Síria (Tartus e Latakia); cortar as vias de suprimento de armas para o Hezbolá, baluarte dos xiitas contra as investidas de Israel no Sul do Líbano; conter o avanço da China sobre as fontes de petróleo; isolar completamente e estrangular o Irã, com a consequente eliminação do governo islâmico (xiita). O resultado da equação, ao mudar completamente o equilíbrio de forças no Oriente Médio, seria o estabelecimento pelos EUA e União Europeia da full-spectrum dominance, que é o pleno domínio territorial, marítimo, aéreo e espacial, bem como a posse de todos os ativos do Mediterrâneo, região de vital importância estratégica. A rivalidade entre os EUA e a Rússia – e também a China – vai continuar.

Como pode ser uma eventual transição?
É difícil prever qualquer coisa no Oriente Médio, uma região onde a fé e as crenças predominam, comandam a mentalidade da maioria das populações, quaisquer que sejam as etnias. O que estamos assistindo é, na realidade, uma tragédia grega, em que todos os atores sabem o que vai ocorrer, todos dizem querer evitá-la, porém, cada qual faz exatamente o que é necessário para que ela aconteça.

P. Quais as chances de o conflito se espalhar para a região, envolvendo outros atores?
R: Todos esses atores de um modo ou de outro, direta ou indiretamente, já estão envolvidos e o risco é de que explosão provoque conseqüências ainda piores, se efetivada a intervenção do Ocidente na Síria.

P. O que um ataque ocidental pode mudar no conflito?
R: É difícil prever. Não há bombardeios "cirúrgicos". Só posso imaginar que, se o governo de Al-Assad cair, o radicalismo islâmico – Al-Qaida e outros grupos terroristas – será o vencedor. E o que provavelmente os EUA, França e Reino Unido desejam é redesenhar o mapa do Oriente Médio e favorecer a hegemonia de Israel na região.

P. Como analisa o papel da mídia no conflito?
R: A mídia internacional – sobretudo as redes de TV BBC, CNN, Al-Jazira e outras, dos mais diversos países – está servindo como instrumento do Psyops Group do Pentágono. E o propósito das operações de guerra psicológica (PSYOP), conforme definido pelo U.S. Army Civil Affairs and Psychological Operations Command (USACAPOC), assim como do MI6, o serviço de inteligência do Reino Unido, é desmoralizar o inimigo, causando dissensões e agitação nas suas fileiras, e convencer a população a apoiar as forças dos Estados Unidos e de seus aliados. A estratégia para desencadear a guerra contra a Líbia consistiu em construir, através da mídia, um imaginário em que o ditador Muamar Kadafi estava na iminência de massacrar os civis que protestavam contra seu regime em Bengazi. O mesmo aconteceu contra a Síria e, como ainda não produzira o resultado desejado, manufaturou-se o ataque com armas químicas, gás sarin etc, exibido em vídeos através dos canais de TV e das redes sociais.

Fonte: O Estado de Minas

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Cultura e identidade são temas interessantes, não é?

Desculpem a referência da revista Caras, mas não achei outro link que explicasse a tal polêmica claramente.

A moça top model, a Gisele, colocou brinco na sua filha que apareceu numa foto nesses sites de celebridade. Nos EUA e Inglaterra isso não é uma prática e foi rotulado como crueldade. Lá, as meninas decidem isso na adolescência. Sabe aquele estranhamento de ver uma mulher com um adereço no pescoço na África, ou um pedaço de madeira nos lábios, ou ainda um manto na cabeça... Então...

Entender a diversidade e a identidade dos povos, o sentimento de pertencimento não é coisa fácil, não é?

Vale ressaltar duas questões importantes:

Primeiro,  furar a orelha dos bebês é algo muito comum aqui no Brasil e tradição passada de mãe pra filha, apesar de muitas brasileiras também optarem por não furar - normalmente por que não querer que seu bebê sinta dor (o que significa na prática sentir dor mais tarde).

Em segundo lugar, e mais importante, a única coisa problemática ao meu ver é quando as mães furam a orelha das meninas como forma de diferenciar os meninos das menina rapidamente, como se isso tivesse que ser feito com máxima urgência, o quanto antes para ficar bem claro!!! É a mesma lógica de só usar rosa ou azul...

Isso sim é um problema...Portanto pode parecer que o brinco da filha da top model não é importante. E não é. Mas o assunto e as consequências sim...

http://caras.uol.com.br/especial/bebe/post/brinco-da-filha-gisele-bundchen-vivian-lake-cria-polemica-na-midia-internacional

sábado, 31 de agosto de 2013

Braços Abertos aos Médicos Cubanos! por Mário Maestri

Braços Abertos aos Médicos Cubanos!

Escrito por Mário Maestri,
Quarta, 28 de Agosto de 2013

A insurreição de associações profissionais e de milhares de médicos e estudantes de medicina contra a chegada dos colegas cubanos tem registrado despudoradamente o abismal nível de desumanização produzido pela mercantilização da saúde no Brasil. Os milhões de brasileiros desassistidos surgem como referências imateriais na retórica cínica que defende qualidade do serviço médico que a população brasileira desconhece, seja na área pública e, comumente, igualmente na privada.
No frigir dos ovos, defendem apenas a restrição do número de médicos, em prol da manipulação safada das leis do livre-mercado. Com menos médicos, melhores negócios! E a população que se lixe! Sob a escusa da excelência da formação e das prestações médicas, defendia-se, ontem, a restrição do número de universidades de medicina e, hoje, o monopólio corporativo do ato médico e o embargo à chegada de profissionais do exterior, com destaque para os cubanos, socialistas e, horror dos horrores, não poucos negros!
Que venham aos milhares!
Que venham os médicos cubanos, às dezenas de milhares! Mesmo que cheguem apenas para tapar os buracos da incúria governamental quanto à saúde pública, mais e mais encurralada no balcão de negócios da medicina privada. Mercantilização da saúde popular aplaudida pela indústria hospitalar, de medicamentos e de planos de saúde; por associações de classes; pelos milhares de profissionais privilegiados – ou apenas seduzidos – por profissão transformada em meio de enriquecimento sem limites.
Que dezenas de milhares de médicos cubanos sejam distribuídas pelos ermos perdidos dos extremos sociais e geográficos do nosso país! Que povoem o interior distante do Acre ou a periferia próxima de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre e de Salvador. Ainda que tais colocações penosas devessem ser momento transitório – e profissionalmente enriquecedor – de carreira médica público-estatal. Não é isso que fazem os concursados do Banco do Brasil e os membros da forças militares, sem “choro e ranger de dentes”?
Entre os médicos cubanos chegará algum incompetente, como propõem denúncias literalmente histéricas? Certamente. E quem de nós já não se encontrou com profissionais ineptos, mesmo nos consultórios e hospitais privados de nossas mais adiantadas capitais? Sem que haja meios de afastá-los de uma profissão para a qual não se qualificaram técnica ou moralmente. Ao contrário do que ocorrerá no caso dos médicos visitantes. Qualquer erro que fizerem terminará com enorme destaque na telinha da rede Globo e nas páginas da Folha de São Paulo, Estadão, Zero Hora et caterva.

Meros Paliativos
Acusam-se os médicos cubanos de serem paliativos para situação calamitosa e meios de publicidade política de governo que persegue desesperadamente a avaliação positiva perdida. No que não estão errados. Ao igual que as administrações anteriores, lulistas e pré-petistas, Dilma Rousseff apostou na medicina mercantil, nos planos de saúde, no financiamento privado dos cuidados médicos por população brasileira transferida maciçamente por decreto para a classe média! E teve como resposta a reivindicação por saúde e educação pública e gratuita de multidões enraivecidas que sequer conseguem pagar 3,20 reais por passagem de ônibus urbano! Engrossadas por aqueles que conseguem pagar a passagem mas são depenados pela medicina e pela educação privada!
Entretanto, não é menos certo que os médicos cubanos e estrangeiros salvarão a vida e mitigarão as penas urgentes de milhões de desassistidos, mesmo quando eventualmente não dispuserem das instalações condizentes, como também denunciado. Instalações que certamente serão por eles reivindicadas. Tudo isso enquanto se discute, produtiva ou improdutivamente, com boas intenções ou malevolamente, sobre as soluções estruturais futuras, de longo fôlego.
Os médicos estrangeiros enviados para os cafundós sociais e geográficos do Brasil atenderão brasileiros desconhecedores de serviços médicos mínimos, aos quais têm direito constitucional. Ampliarão a consciência desses brasileiros sobre o valor e a necessária luta por serviço público universal de qualidade. Certamente outros dois motivos da oposição visceral da indústria, de associações e de profissionais da saúde que se locupletam com sua mercantilização.
Por tudo isso e por muito mais, os médicos cubanos – e de outras nacionalidades – devem ser recebidos com festa, com fogos de artifício e braços abertos! Mas atenção. Nosso abraço deve ser o da população agradecida e não o do urso aproveitador!
Em Defesa dos Médicos Cubanos
Os médicos cubanos não são mercenários da medicina, apenas preocupados com a remuneração material. Não são igualmente missionários que se alimentam de princípios morais e políticos – se é que existe tal gente. São trabalhadores especializados que exercerão suas atividades no Brasil. Portanto, encontram-se necessariamente submetidos e protegidos pelas leis trabalhistas nacionais – mesmo que elas sejam pernetas e limitadas.
Os cubanos devem receber a mesma remuneração que os demais estrangeiros. É reivindicação dos trabalhadores, consagrada pela legislação atual, que ao “mesmo trabalho” cabe a “mesma remuneração”. Não importando as diferenças de sexo, raça, idade e nacionalidade. Nenhum casuísmo justifica o desrespeito desse princípio. Pouco importa o que recebem seus companheiros em Cuba, já que eles viverão e trabalharão no Brasil, e não na ilha do Caribe. Aos médicos cubanos cabe a bolsa de dez mil reais, paga diretamente pelo governo brasileiro.
Se aceitarmos o princípio da missão estrangeira, teríamos que concordar com que governos africanos enviassem trabalhadores contratados, recebendo por eles seus salários das autoridades brasileiras, e pagando-os abaixo do estipulado pela legislação nacional. Não impugna a terrível analogia o fato de que ela tenha sido proposta por interessados em sabotar a vinda dos médicos cubanos, e não em defender seus direitos.
Nada de bantustão!
Os médicos cubanos têm o direito inarredável de trazer consigo seus cônjuges e filhos menores, como todo estrangeiro com contrato de trabalho no Brasil. Tal impedimento permite outra lembrança terrível. Para manter o controle político-econômico, o apartheid construiu os bantustões, pseudo-micro-estados negros, de onde os trabalhadores partiam temporariamente para prestarem serviços nas minas da África do Sul, sem poderem levar consigo as famílias. O que dificultava a radicação na África do Sul e facilitava a manutenção da relação semi-servil.
Não podemos também negar o direito de permanecer no Brasil aos médicos cubanos que assim o quiserem, por razões afetivas e, sobretudo, econômicas. Ser radical é ir à raiz da questão, e não transformar sonhos e fantasias em realidade. Com a crescente restauração capitalista em Cuba, os trabalhadores ligados à esfera pública conhecem remunerações miseráveis, enquanto prosperam os que conseguem se incorporar à esfera mercantil que canibaliza a economia nacionalizada. A expatriação interessa também aos médicos cubanos pela remuneração em moeda forte, impossível de ser realizada em Cuba no serviço público. [Maestri, Mário. “Cuba sob o signo da restauração capitalista”. www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5296.
Mas é igualmente indiscutível o direito do Estado cubano de ser remunerado pelos médicos que formou, enquanto trabalham no Brasil, ou caso queiram aqui permanecer. Qualquer coisa diversa seria explorar a esfera pública da sociedade cubana. Essa indenização deve recair totalmente sobre o Estado brasileiro, que se negou a financiar a formação dos trabalhadores da saúde que necessitamos dramaticamente. E não sobre os médicos cubanos.
Em Defesa de Cuba Socialista
É inadmissível o desfrute por qualquer aparato governamental da força de trabalho dos médicos cubanos que devem chegar aos borbotões para ajudarem a suprir as necessidades dramáticas de nossa população.
Apenas o respeito estrito dos direitos civis e trabalhistas mínimos dos médicos cubanos permitirá que essa contribuição inestimável se dê nas melhores condições. E não resulte em todo tipo de constrangimento e aproveitamento por aqueles que se mobilizam para levar tal iniciativa ao fracasso.
O imperialismo estadunidense já tem programa consolidado para fomentar deserção mercenária de médicos e profissionais especializados cubanos no exterior, através de suas embaixadas e consulados. O que constitui uma agressão à economia socialista da ilha, em contínua retração, sob a retórica estadunidense de solidariedade contra a opressão comunista.
Apenas visão progressista tacanha não compreende que também a defesa de Cuba socialista – e do que representou e ainda representa – passa inarredavelmente pela defesa solidária dos direitos de seus médicos no exterior.
Mário Maestri é historiador e professor do PPGH da UPF. Email: maestri@via-rs.net  
  
Mário Maestri