sábado, 11 de maio de 2013

Professores em tempo de desencanto: ou qual a semelhança entre a Greve dos Professores em 2000 e 2013?


Sobre o título, você pode escolher:

Professores em tempo de desencanto: ou qual a semelhança entre a Greve dos Professores em 2000 e 2013?
ou,

Da saga: Os efeitos de quase 20 anos da política educacional do PSDB em São Paulo e como apanhei do meu aluno numa passeata na Paulista
Ou,

De como o transito é um problema bem maior do que o da educação nesse país.
Ou ainda,

Mario Covas fazendo escola, Datena e o Jornal Nacional

Fico triste em ver os relatos dos meus alunos, agora “já” professores, completamente desiludidos após participar de sua primeira greve. Enfrentaram de tudo:
·         Passaram pelo problema burocrático de fazer a greve e ser ameaçado pelo diretor da unidade;
·         Passaram pelo problema ideológico de argumentar a favor da mobilização;
·         Tiverem que convencer seus pares da importância da luta;
·                    Ouviram os pelegos e suas justificativas sarcásticas de por que não adianta fazer greve;
·                       Foram esculachados pela mídia que não fala das reinvindicações da categoria e apenas notícia quando é um problema do transito e de como a manifestação atrapalha a vida do cidadão;
·                            Aguentaram as piadinhas de que escolheu a profissão, por que não muda agora e se quer ser professor que aguente e trabalhe por amor;
·         Participaram de assembleias, andou pelas ruas embaixo de sol, participou de reuniões, etc.
E tudo isso para:
·         A imprensa noticiar (e zombar) que eram 500 professores quando na verdade eram quase 5 mil;
·         O Governo do Estado absolutamente ignorar os problemas e as reivindicações;
·         Ver as assembleias começarem a esvaziar;
·         Presenciar o sindicato – APEOESP - que devia representar a categoria, tomado há anos por uma corja sem escrúpulos, manipular e passar por cima da base como um trator- traidor;
·         Apanhar da polícia – autoridade fardada para defender os interesses do Estado - como se fossem eles os assassinos e corruptos desse país;
Infelizmente nenhuma novidade. Já passei por tudo isso. O sentimento é terrível. A situação do professor é catastrófica, a escola está em situação caótica, os alunos em sua maioria saindo das escolas sem o mínimo do conhecimento básico, as condições pioram ano a ano. A vontade de gritar e pedir socorro pra sociedade é imensa. E na hora que se consegue minimamente reunir a categoria para a luta: traição sindical!
  O que me assusta é que isso gera o pessimismo imobilista ou o discurso de esvaziamento do sindicato (desfiliação em massa). Professores, é isso que eles desejam, que deixemos o o espaço para eles ocuparem. Entendam que este, é sim, um jogo de poder e que essas situações devem nos motivar pra luta e não para a desistência! Pessimismo da razão, Otimismo da Vontade (Gramsci) É preciso ver as coisas como são, mas é preciso de força e perseverança para mudar o estado das coisas. Elas não se transformam pela força do pensamento ou sentados na sala de aula. Transformam-se com ações e luta. Tomemos o sindicato e não o contrário.
Sintomático foi a INESCRUPULOSA E EXECRÁVEL, PRESIDENTE DO SINDICATO, ter que pedir apoio policial para sair ao som de “Que papelão... A Bebel vai sair de camburão”. Os professores entenderam o que estava acontecendo e reagiram, isso é fundamental pra mostrar que o problema não está só na base.
O que me preocupa mais SÃO AS SEMELHANÇAS, 13 anos depois, de como o Governo do PSDB (desde 1995 no poder em SP) continua a tratar com violência e truculência repressora, os professores e a educação (um problema de todos nós) como caso de polícia!

Permitam um pequeno “causo” bem ilustrativo:

   Em 1999, após uma assembleia na Av. Paulista, fomos em passeata a caminho da Secretaria da Educação. Éramos muitos. Mas a política decidiu que deveríamos nos manter apenas numa faixa da avenida (porque o transito é um problema bem maior do que o da educação desse país, é claro!). Isso causava empurra-empurra e o tempo todo éramos empurrados para a faixa pela polícia que caminhava ao lado. Várias vezes fui cutucada sempre de forma agressiva para voltar para a faixa, e numa delas reclamei gritando ao policial que seu “instrumento” havia me machucado. Para meu espanto (e para o dele também) o garoto fardado que ali estava, HAVIA SIDO MEU ALUNO POR DOIS ANOS NUMA ESCOLA NO EXTREMO DA ZONA SUL, COLÔNIA PAULISTA (depois de Parelheiros). Onde todo tipo de excluído social convivia bem longe do olhar da sociedade.  Desviou o olhar, sem graça, e o máximo que conseguiu foi acenar com a cabeça e acelerar o passo com uma imensa vergonha.
    Vergonha por que ele sabia da minha seriedade e que minha luta era a dele também. Sabia que eu estava ali por que era certo e única forma de luta contra o Estado que nunca fez nada para melhor as coisas para ele e sua escola. Sabia que ele estudou numa escola sem estrutura, numa sala super lotada de quase 55 alunos e que fazíamos “das tripas, o coração” para que eles conseguissem o mínimo necessário. Sabia que agora estávamos em lados opostos e eu agora é sua inimiga: ele estava ali para me conter. Por tudo isso, ele desapareceu na multidão. E eu nunca mais esqueci a lição: a polícia é um Instrumento de Repressão do Estado. Mesmo que as pessoas queiram ou acreditem em outra coisa...

Em 2000 apanhamos pra valer. Foi bem pior do que vocês viram ontem. Além disso, houve a destruição pelo próprio governador Mario Covas do acampamento que há mais de um mês estava montado na frente da Secretaria da educação. O que fez o digníssimo governador (além de mandar a tropa de choque para a Paulista)? Resolveu que iria entrar pela frente do acampamento, sendo que a entrada lateral estava totalmente liberada. E para quê? Para ficar durante 6 minutos lá dentro e sair de novo. Provocativo? Esperto? Para criar o fato? Para irritar? Para mostrar força e poder? Não importa. O que de fato importa é que são cenas dignas da truculenta ditadura cível-militar. Cenas lastimáveis e que tiveram efeito imediato: dispersou a greve, desanimou os professores em luta e desmobilizou a categoria por anos.  Professores foram exonerados e perseguidos. E nos últimos anos nós só contabilizamos perdas e uma educação em estado de coma.

Coloco os links de algumas cenas da greve de 2000 gravadas da rua pelo de televisores ligados no programa do Datena (na época na Rede Record) e um trecho do Jornal Nacional mostrando o enfrentamento do Covas no acampamento dos professores. Existe o DVD completo, vendido por anos pela Comissão de Professores Perseguidos.
Ontem assisti tudo ao vivo, dessa vez aqui de muito longe, pelo programa do Datena - agora na Band - única forma de ter acesso ao vivo fora do Estado de São Paulo. E FIQUEI ESPANTADA COM A SEMELHANÇA da violência comandada agora pelo governador Geraldo Alckmin (na época vice-governador do Mário Covas). Parece que ele aprendeu perfeitamente a política do PSDB para o professor! FIQUEI ESPANTADA COM o avanço do discurso conservador do apresentador citado, talvez por que ficou mais rico, talvez por que ficou mais famoso ou talvez por que nada disso importe mais para ele.    
FIQUEI ESPANTADA como a Bebel (que cantarolava o Hino Nacional no microfone enquanto nós apanhávamos) continua desprezível.
Mas o que mais me impressionou é ver que apesar de tudo isso, apesar de todas essas adversidades, “Apesar de você” - Bebel e sua corja, diria Chico Buarque - estavam lá os professores, enfrentando, se mostrando, resistindo, dizendo que existem e que não vão abandonar a sala de aula e nem a luta. É por que nós existimos que eles se preocupam tanto. Ainda bem, por que se não: não haveria amanhã.

Pela educação pública, gratuita e de qualidade.


Links para alguns trechos citados:


A cena da "visita" de Mario Covas ao acampamento dos professores na frente da Secretaria da Educação em São Paulo na Praça da República. Atenção para a frase dita por ele após as provocações e o enfrentamento:
 "E ainda se chamam de professores, coitados" para desqualificar os que ali estavam.



8 comentários:

  1. Pois é Lilian... A cada ano temos que ficar convencendo os professores a não abandonarem o Sindicato - que somos nós, a sua base - e a não desistir da luta...

    Embora seja professor do Município, essa fórmula manjada é aplicada em todo canto. Afinal, quem tem que inventar e reinventar somos nós. Eles - donos dos meios de produção e de divulgação - manipulam as pessoas pelos Aparelhos Ideológicos de Estado... E a TV, uma concessão, SERVE BEM A ESSA CAUSA.

    Estamos rumo a 10 dias de greve na prefeitura, fazendo comandos de greve, tentando convencer os colegas... e todo ano temos que começar do zero, tentanto convencer...

    O governo não é do PSDB, mas do PT, seu inimigo histórico que, na História Atual, tem mais semelhanças que diferença... Um governo dos trabalhadores que divulga uma mentira enorme: dá 0,82% de aumento e diz que deu 70%! Fala que os professores reivindicam 5% e estão oferecendo 10%... Uma mentira atrás da outra!

    Mas, temos que enaltecer que há positividade nesses movimentos: seus dirigentes decretam o fim, mas nós, trabalhadores, nao sugerimos isso. Detalhe: quem vai ter que repor não é o dirigente sindical!

    A cada ano, mais professores se organizam em grupos para trabalhar pela greve... Ano passado o histórico Presidente do Sindicato dos professores municipais tb teve que chamar a Tropa de Choque, para livrá-lo dos professores que não votaram pelo fim da greve que, ridiculamente, ele manipulara em 2012.

    Novamente estamos na rua... Novamente lutando por migalhas muito aquém do que merecemos, que nem chegam perto das responsabilidades que são nossas e das que jogam em nós.

    Precisamos, os trabalhadores, não desistir frente ao desfecho de nossas greves. Ao contrário, devemos nos articular para fortalecer a base. Esta deve indicar a direção, e os senhores(as) presidentes, apenas devem ajustar a vela!

    Eu não desacredito. A cada ano me animo mais frente às dificuldades.

    P.S: numa das minhas escolas estamos 100% paralisados, inclusive diretor e gestão... na outra escola, fui o único a não comparecer e fazer o presentinho do dia das mães... E as mães entendem que estou lutando por um presente inalienável e que a elas é muito mais valioso!

    Abraço e sempre é um prazer lê-la!

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    1. Recebi vários elogios sobre seu comentário, mesmo antes de ter lido. Respondi sem medo: o José? Esse é um aluno meu, comprometido até a raiz do cabelo. Sei porque tenho aqui na estante o seu trabalho guardado sobre as salas de PIC da escola Fagundes Varella, por que sua formação é sólida e apesar dos pesares, ainda acredita.
      Obrigada pelas suas palavras.

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    2. Dê-me o direito de réplica...rsrs... Ano passado recebi notícias de uma das alunas que dei aula nessa sala PIC (com alunos que fracassaram anos sem conseguir passar da 4ª série) e me emocionei quando soube que tinha se formado em Publicidade (ou uma dessas áreas criativas, que não fazem parte do meu conhecimento acadêmico...rs)... E ao entrar em contato comigo, o que mais me emocionou ainda (e os olhos ficam lacrimejados neste momento, mais uma vez!) foi o de ela dizer que me guarda com carinho em sua memória, pois eu acreditava não somente nela, quanto nos colegas. Que serviu de inspiração para ela sempre ir passando os desafios... Isso mostra porque devemos nos cansar, nos irritar, nos desanimar POR CINCO MINUTOS, pois depois desse tempo, temos muito o que fazer e não há tempo a perder com lamentação: conhecer os limites, mas nunca deixar de ousar nas possibilidades!
      E uma base fortíssima de minha formação sólida foram suas aulas e de outros, como o Moisés, que sempre extraíram de nós o melhor que podíamos contribuir! Grande abraço!

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  2. Lutar pelo bom, pelo justo e pelo melhor do mundo não é uma escolha fácil. A gente sabe que mais cedo ou mais tarde, vai ficar sozinho nessa. Espero ter força e saúde pra lutar também... Abraço Lilian*

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    1. Não. Você tem toda razão. Fizemos a opção certamente pelo mais difícil. Fácil é o confortável mundo da alienação e do comodismo.Mas escolhemos o único possível para a transformação, Elisabete. O único.
      Bjs e força para todos nós.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Oi Lilian,

    Mesmo diante do sarcasmo dos colegas não grevistas, do desprezo da mídia, das decepções anteriores e da indiferença do governo, assim como muitos colegas também aderi ao movimento de greve no Estado, e agora na prefeitura de São Paulo. Para além das questões envolvendo o posicionamento da APEOESP nisso tudo, outro fator que tem me chamado a atenção é o quanto os colegas tem transferido poder, e expectativas para o sindicato. O que tem contribuído para que se esqueçam de que quem promove o movimento somos nós e não (apenas) o contrário. Percebo muitos professores desanimados e cansados de "não conseguirem nada em suas reivindicações", segundo eles. Fiquei extremamente decepcionado com essa greve, sobretudo, pela forma arbitrária de como ela acabou, o que me remete aos movimentos de 2008 e 2010, e percebo aqui uma situação recorrente no que tange a postura do sindicato, o que tem me preocupado muito também, pois como você diz, isso tem gerado um pessimismo imobilista. Somado a tudo isso, temos o quarto ano da implementação das "categorias", o que fragmentou ainda mais os docentes, e tem dificultado o grupo de se identificar como "professor" independente de ser "categoria" "O", "F", "Z", "W" ou efetivo. Nessa greve de 2013 já sentimos de forma expressiva a dificuldade de unir o magistério nesse momento, o que é resultado dentre vários motivos da fragmentação promovida por essa contratação precária e da criação dessas "categorias"

    Nenhuma mobilização social e política é infálivel, falhas diversas são suscetíveis de acontecer. As experiências desses movimentos não foram em vão... devem servir de lição para que possamos adequar de forma positiva novas articulações, intensificar e rever outras. Contudo, mesmo em tempos de desencanto e frustração, fechar a porta da sala de aula (quando a tem)e continuar dando aula normalmente acho muito complicado, haja vista o cenário em que vive as escolas públicas, em meio a uma exclusão e violência muito mais avassaladora do que o sentimento de revolta que temos no pós greve.

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